quarta-feira, 20 de maio de 2020

E.C.B XXIII: Atentado da Rua Tonelero.

Ao longo da história, em diferentes conjunturas políticas de períodos e regiões do mundo muito diversos, muitos acontecimentos permaneceram envoltos em obscuridade. O caráter obscuro e “mal resolvido” de certos acontecimentos é resultado de várias circunstâncias: desde destruição ou ocultamento de fontes até fabricação de embustes e provas falsas. Na história recente do Brasil, especificamente na segunda fase da vida política de Getúlio Vargas, houve um desses acontecimentos que, até os dias de hoje, reverbera em discussões policiais, políticas e histográficas, dado o seu caráter complexo e misterioso. Trata-se do Atentado na Rua Tonelero.

O Atentado da rua Tonelero foi uma ação violenta, com viés político, que visou o assassinato do jornalista e político Carlos Lacerda, na madrugada do dia 5 de agosto de 1954, em frente à sua residência, no número 180 da rua Tonelero, em Copacabana, Rio de Janeiro, que culminou na morte do major-aviador Rubens Florentino Vaz e no ferimento do guarda municipal Sálvio Romeiro.

Ganhou importância histórica por se constituir o marco da derrocada do até então presidente da República Getúlio Vargas, levando-o ao suicídio, dezenove dias depois.

Contexto Histórico.

Getúlio Vargas e sua guarda pessoal, chefiada por Gregório
Fortunato, à sua esquerda (lado direito da foto).
Créditos: Wikipédia.
O atentado aconteceu no dia 5 de agosto de 1954, durante o segundo governo de Getúlio Vargas, eleito presidente nas eleições de 1950 com 48,7% dos votos. Nessas eleições, Getúlio Vargas derrotou seus adversários da UDN – Eduardo Gomes – e do PSD – Cristiano Machado. Esse governo de Getúlio Vargas ficou marcado pelas fortes tensões sociais, econômicas e políticas que dividiram o país à época.

No campo político, Getúlio Vargas sofria forte oposição da UDN, partido representado por uma classe política conservadora e por parte do Exército, que se aliava politicamente ao discurso udenista. A grande crítica desses grupos era contra as práticas populistas do governo de Vargas.

Economicamente, o Brasil sofria grande pressão com a escalada da inflação – que havia alcançado a taxa de 20,8%. A inflação era a responsável direta pela redução do poder aquisitivo do salário do trabalhador. Também no campo econômico, havia um acalorado debate sobre a política de desenvolvimento econômico do Brasil, que discutia se o desenvolvimento econômico do país seria realizado de maneira nacionalista ou se teria abertura para capital estrangeiro.

A questão dos preços internacionais do café (Getúlio atuava para manter os preços altos) e a postura de Getúlio ao propor a criação da Petrobras trouxeram insatisfação aos Estados Unidos, que se beneficiavam com os preços baixos no mercado internacional de café e com a exploração das fontes de petróleo brasileiras. Com isso, os adversários de Vargas ganharam o apoio dos EUA.

As greves dos trabalhadores insatisfeitos com as dificuldades econômicas configuraram outro fator de desgaste para o governo de Vargas. Como resposta às insatisfações dos trabalhadores, Vargas determinou um aumento salarial de 100% em fevereiro de 1954, o que trouxe insatisfação para as elites econômicas e para o Exército, que não concordavam com o aumento salarial dos trabalhadores.

O Exército representou sempre um grande risco para Getúlio em seu segundo governo, pois sempre houve um risco de que um golpe fosse realizado. O Exército claramente estava dividido entre aqueles que apoiavam incondicionalmente Getúlio e sua política nacionalista e aqueles que criticavam o populismo de Vargas e queriam uma conduta mais incisiva do governo na luta contra o comunismo (Anos 50, Guerra Fria). Além disso, havia as insatisfações em virtude da deterioração da corporação militar com os poucos investimentos e salários baixos.

Atentado.

Lacerda, um dos principais opositores do governo Vargas, iniciara sua campanha a deputado federal. Como havia sido ameaçado de morte algumas vezes, um grupo de simpatizantes, oficiais de Aeronáutica, decidiram servir-lhe de segurança durante seus comícios. Depois de um deles, realizado na noite de 4 de agosto de 1954, no pátio do Colégio São José, o jornalista volta para casa acompanhado de seu filho Sérgio, de quinze anos, no automóvel do major-aviador Rubens Florentino Vaz. Ao chegar na rua Tonelero, os três saltam do veículo e, ao se despedirem, uma pessoa surge das sombras e dispara vários tiros. O major, desarmado, tenta se defender, mas é atingido no peito. Enquanto isso, Lacerda leva seu filho para a garagem do prédio e volta disparando contra o agressor, que foge num táxi. Um guarda municipal que estava nas proximidades, Sálvio Romeiro, ouve os disparos e, ao verificar o que estava acontecendo, também é atingido por um tiro, mas anota a placa do veículo fugitivo.

Investigação.


Carlos Lacerda, grande coordenador da oposição a
Getúlio Vargas. Créditos: Wikipédia.
Naquela mesma madrugada a imprensa começa a divulgar os detalhes do crime. O motorista do táxi, Nelson Raimundo de Souza, sabendo então que seu veículo fora identificado, decide se apresentar em uma delegacia. Inicialmente alega inocência e que apenas pegara o passageiro, não tendo conhecimento do crime, mas confessa seu envolvimento após depoimento à Polícia Militar. Aos interrogadores, Nelson Raimundo afirmou que levara duas pessoas até a rua Tonelero, na noite do atentado contra Lacerda. Uma delas não sabia de quem se tratava. Mas a outra conhecia bem. Era Climério Euribes de Almeida, integrante da guarda pessoal do presidente da República e amigo de Gregório Fortunato.

Quando a polícia foi à casa do suspeito, no bairro do Méier, ele já havia desaparecido. Um grande efetivo foi mobilizado para sua captura. Na madrugada, a polícia divulgou uma nota oficial à imprensa, com o conteúdo do depoimento do motorista Nelson Raimundo e informando que determinara a realização de várias diligências na busca de Climério. A operação envolveu cerca de duzentos homens armados, viaturas militares e até mesmo helicópteros, e se estenderam por quatro estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

O ponto de táxi de Nelson ficava na Rua Silveira Martins, esquina da Rua do Catete – junto ao então palácio presidencial – e costumava servir aos integrantes da guarda pessoal de Getúlio. Um desses integrantes, Climério Euribes de Almeida, combinara com o taxista de dar fuga em seu veículo a ele e um pistoleiro, Alcino João do Nascimento.

Alcino, na verdade um marceneiro em dificuldades financeiras, fora contratado meses antes por José Antônio Soares para executar um desafeto. Ele aceitara prontamente o serviço, matando porém a pessoa errada. Isso não impediu que José o indicasse para cumprir uma tarefa semelhante encomendada por Climério. Ficou acertado que o atentado seria cometido durante um comício de Lacerda na cidade de Barra Mansa. Entretanto o carro de Nelson enguiçou, forçando o adiamento para 4 de agosto, data do próximo comício do jornalista. No dia, Climério e Alcino seguiram para o Colégio São José, mas o taxista, que deveria encontrá-los ali para a fuga, se atrasou. Já tarde da noite, os três decidiram seguir então para a casa de Lacerda.

Após a troca de tiros, Lacerda sai ferido no pé, e o major Vaz, depois de ser atingido por duas balas de uma pistola calibre 45 (de uso exclusivo das Forças Armadas), morre a caminho do hospital. Alcino afirmou que o mandante do crime foi Lutero Vargas, filho de Getúlio Vargas e desafeto de Carlos Lacerda. O comando da Aeronáutica assumiu as investigações em 8 de agosto, mesmo dia em que Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio e apontado como mandante do crime, confessa sua participação. Climério e Alcino são capturados pouco tempo depois.
  • Consequências.
A crise política que se seguiu ao episódio, em particular com os militares inconformados com morte de um dos seus, agravada pelos ataques violentos de Lacerda e seus seguidores ao presidente, sem que houvesse um moderador, agigantou a onda contrária a Getúlio Vargas. Diante dos pedidos de renúncia à presidência que começaram a se multiplicar, em 23 de agosto, o presidente reuniu-se com os seus ministros no Palácio do Catete, a fim de analisar o quadro político. Ficou decidido que o presidente entraria em licença, voltando ao poder quando as investigações sobre o atentado estivesse concluídas. Duas horas mais tarde, quase às cinco horas da manhã do dia 24, Benjamin Vargas, irmão de Getúlio, chegou ao Palácio com a informação de que os militares queriam mesmo a renúncia. Como resposta, ao se retirar para o seu quarto, Getúlio afirmou: "Só morto sairei do Catete!" Momentos mais tarde ouviu-se um tiro: Getúlio estava morto com um tiro no coração.

Alcino foi condenado a 33 anos de prisão, pena depois reduzida. Cumpriu 23 anos e sobreviveu a duas tentativas de assassinato. Gregório foi condenado a 25 anos, vindo a ser assassinado na prisão, assim como Climério, condenado a 33 anos. José Antônio Soares foi condenado a 26 anos. Nelson Raimundo a 11 anos.
  • Outras Interpretações.
A história oficial, revalidada pelo júri popular que condenou os autores do crime em 1956, continua sendo contestada por pessoas que apontam inconsistências na investigação e perguntas que permaneceram sem resposta.

Um dos principais motivadores de dúvidas seria o inquérito criminal, escrito num tom demasiado anti-Vargas e recheado de expressões como "covarde atentado" e "mentiroso depoimento", entre outras. Não houve reconstituição do crime ou a acareação entre Lacerda, (que inicialmente teria afirmado que seriam três pessoas disparando contra ele) e o pistoleiro Alcino.

Outra questão foi o amadorismo dos autores do crime, que deixaram pistas evidentes que imediatamente conduziram às investigações ao Palácio do Catete. Defensores de teorias conspiratórias entendem que isso teria sido intencional, para precipitar uma crise política que teria como consequência a saída de Vargas da presidência da república. Não existe nenhum depoimento ou prova apoiando essa tese, que se encontra no terreno das suposições.

Fontes.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Atentado_da_rua_Tonelero (Principal)

https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/atentado-na-rua-tonelero.htm

https://brasilescola.uol.com.br/historiab/atentado-rua-tonelero.htm

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