segunda-feira, 4 de maio de 2020

A Lenda de Preste João.

Preste João foi um lendário soberano cristão do Oriente que detinha funções de patriarca e rei, correspondendo, na verdade, ao Imperador da Etiópia. Diz-se que era um homem virtuoso e um governante generoso. O reino de Preste João foi objeto de uma busca que instigou a imaginação de gerações de aventureiros, mas que sempre permaneceu fora de seu alcance.

No seu reino condensam-se o reino cristão-monofisita da Abissínia e os cristãos nestorianos da Ásia Central. Diz-se também que era descendente de Baltasar, um dos Três Reis Magos. Como notícias palpáveis desse império cristão eram escassas, dilatava-se a fantasia em redor do seu reino: falava-se de monstros vários (entre os quais os homens com cabeça de cão), paisagens edénicas, etc. O Inferno e o Paraíso num só território.

No Livro Das Maravilhas, de Marco Polo, Preste João era na Verdade Ong Khan, rei dos Turcos Oengut da Mongólia, pois a Igreja Nestoriana penetrou na Ásia Central e foi até a Manchúria e vários desses povos eram cristãos nestorianos e sacerdotes hereditários.

As notícias (em forma de lenda) do Preste João chegavam à Europa pela boca de embaixadores, peregrinos e mercadores, sendo depois confirmadas pelo infante D. Pedro, que viajara "pelas sete partidas do mundo", e ainda pelo seu inimigo D. Afonso, conde de Barcelos, que fizera peregrinação à Terra Santa.

Em 1487, D. João II envia Afonso de Paiva para investigar a localização do mítico reino (que corresponde à actual Etiópia) na tentativa de torná-lo aliado numa possível expedição à Índia, em fase de planeamento. Embora tenha morrido antes de comunicar o relatório, Pêro da Covilhã — que o tinha acompanhado até se separarem e este ir fazer um reconhecimento da Índia — iria mais tarde completar a sua missão. Foram os relatos de Pêro da Covilhã a Francisco Álvares que permitiram saber muito da história que este último descreve no seu livro Verdadeira Informação das Terras do Preste João das Índias.

Trajetória de um Mito.

Em 1145, um bispo armênio de Jabala chega à sede do papado com a notícia da conquista do Condado de Edessa (1144) pelos muçulmanos. O bispo receava que o ocorrido colocaria em risco as comunidades cristãs do Oriente e apelava para que os cruzados não abandonassem suas posições na Terra Santa.

Segundo o religioso, um rei cristão, de nome João, cujo reino se localizava na Ásia, para além da Pérsia, marchava para o Ocidente à frente de um exército que já tinha derrotado vários muçulmanos pelo caminho. Entretanto, atingidos por uma epidemia, o rei e seus homens haviam sido obrigados a retornar a seu país, mas voltariam para salvar o reino cristão de Jerusalém. Tal visita do bispo de Jabala, registrada pelo sacerdote alemão, Otão da Frisinga (c. 1114–1158) como um episódio verídico que conta sobre um exército muçulmano, em 1141, formado por guerreiros turcos seljúcidas que foi derrotado na Ásia Central, não por um rei cristão, mas pela tribo mongol Kara-kitai oriunda de uma região vizinha à China. Esse grupo era budista, mas a presença de cristãos nestorianos contribuiu para o nascimento da lenda.

A lenda se espalha pela Europa. O anúncio do bispo armênio trouxe à tona cartas supostamente assinadas por Preste João e endereçadas ao Papa Alexandre III; a Frederico I, Sacro Imperador Romano-Germânico; ao rei Luís VII da França; e a Afonso Henriques, rei de Portugal. Essas mensagens asseguravam ao Preste João domínios territoriais que se estendiam às "Três Índias" e a vários outros países, além de dezenas de reinos a ele subordinados, entre os quais as dez "tribos perdidas de Israel", que Alexandre, O Grande, teria perdido atrás da Muralha de Gogue e Magogue. Segundo as cartas do Preste João, quando ele partia para a guerra levava com ele dez cruzes de ouro ornadas com pedras preciosas e atrás de cada uma delas marchavam dez mil cavaleiros e cem mil homens a pé.

Ainda segundo as cartas, Preste João dizia ser proprietário de uma fonte da juventude que fazia com que qualquer homem que nela se banhasse voltasse a ter 32 anos e contava que ele próprio, aos 562 anos de idade, havia se banhado muitas vezes naquelas águas. Afirmava também que um reino de Israel lhe enviava, anualmente, um tributo de 200 cavalos carregados de ouro e pedras preciosas.

Essas fábulas eram levadas a sério pelos homens da Idade Média, e quanto mais alimentava a pressão do Islã sobre a Terra Santa, mais a crença na existência do Preste João ganhava força na Europa. Ninguém sabia exatamente onde ficava o reino de Preste João. Apenas se supunha que essas terras deviam estar em algum ponto do Extremo Oriente. Para o frei franciscano Giovanni da Pian del Carpine, o rei era Maomé, o "sultão da Corásmia". O monge e cronista Guilherme de Rubruck, afirmava que Preste era o chefe de um grupo mongol, os naimanos. Já Marco Polo acreditava que o misterioso rei era o líder da tribo turca, "ongut", originária da região nascente do Rio Amarelo.

O "verdadeiro" reino de Preste João

Com a expansão do império de Genghis Khan no século XII, e com a intensificação dos contatos entre Ocidente e Oriente, monges e mercadores cristãos constataram que o "verdadeiro" reino de Preste João não ficava na Ásia Central, nem no Extremo Oriente, mas na Índia, onde a cristandade europeia passou a procurá-lo. Era a época das antigas comunidades de cristãos indianos, chamados "seguidores de São Tomé".

A "hipótese indiana" era respaldada por viajantes que afirmavam ter encontrado um soberano cristão no norte da Índia, na corte de Tamerlão. A existência de um império etíope já era conhecida pelos ocidentais graças aos monges africanos que visitavam Jerusalém e às cartas enviadas ao papa "negus", sacerdote etíope e soberano daquele reino. Esse império também é citado por frei Jordano de Sévérac, bispo da costa do Malabar. Foi quando a ideia de que a Etiópia poderia ser o reino do misterioso Preste João, realçada depois que uma embaixada enviada pelo imperador da Etiópia Uidim-Reade chegou à corte papal de Avinhão, ganhou força (1306). Esse movimento reforçou a hipótese da existência, "em algum lugar do nordeste da África", de um reino em guerra com os muçulmanos. Os europeus queriam se aliar a Preste João para enfrentar os muçulmanos. Havia, porém, dificuldade de localizar o misterioso rei e sacerdote.

Os navegadores portugueses, ao desembarcarem na costa da África (1486), em busca de uma rota para as Índias, ouviram dos "notáveis" do Reino do Benim que o grande rei "Ogané", a quem deviam lealdade, reinava a "vinte luas de marcha para o norte, ao sul do Egito". Ao ouvir esse relato, o rei João II de Portugal enviou dois homens ao rei Ogané, certo de que ele era Preste João.

Os lusos, Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva, junto com uma soma em dinheiro levaram um planisfério para marcarem o local exato do reino misterioso. Em 7 de março de 1487 partiram. Somente Covilhã chegou ao destino. Desembarcou em Zeilá, antigo porto etíope, seguindo pelo interior até Gondar. Covilhã foi recebido por Alexandre, Leão de Judá, "Rei dos Reis".

Assim como Preste João, o imperador etíope governava um reino que no passado havia dominado a costa oriental da África e que, com a expansão do Islã, fora empurrado para o interior do continente e resistiram durante séculos aos ataques muçulmanos. Com a morte de Alexandre, o seu filho e sucessor, Naode, convidou Covilhã a permanecer no reino. Covilhã aceitou a proposta de receber morada e esposa etíope, com quem teve filhos. Vinte anos depois (1520), uma nova embaixada portuguesa foi enviada à Etiópia. Na partida, Covilhã se recusou a segui-los e permaneceu até a morte, segundo relato de um dos integrantes dessa nova embaixada, o padre Francisco Álvares, em seu "Verdadeira informação das terras do Preste João das Índias". Foi a partir daí (século XVI) que o lendário rei deu lugar a um soberano real, aliado aos portugueses na disputa travada com os muçulmanos pelo controle das rotas comerciais do mar Vermelho.

A aliança, entretanto, era frágil. O exército do rei etíope era equipado com armas brancas. Já os muçulmanos possuíam arcabuzes e canhões fornecidos pelos turcos, que se aproximavam cada vez mais pelo mar Vermelho. Os portugueses tiveram dificuldade para barrar esse avanço. Os etíopes foram derrotados e obrigados a se refugiar nas montanhas. Ameaçados e sem recursos pedem ajuda aos portugueses que desembarcaram (1541) com uma tropa de 400 homens armados com canhões, comandados por Cristóvão da Gama. Os lusos vencem os muçulmanos, mas são derrotados quando sofrem contra ataque islâmico e perdem metade da tropa, incluindo o comandante. Os sobreviventes reuniram então os camponeses etíopes sob o comando do jovem Cláudio e saem vitoriosos sobre os muçulmanos em 21 de fevereiro de 1543.

Numa inversão da lenda, os europeus salvam o rei Preste João pondo um fim à busca mítica. Na questão da fé, a situação também se inverteu. A inquisição portuguesa enviou jesuítas à Etiópia para averiguar as práticas religiosas do Preste João e qualificou o monarca e seus seguidores de hereges. O "negus", porém recusou a conversão ao catolicismo. Em 1634, os últimos jesuítas foram expulsos da Etiópia pondo fim a 140 anos de relação amigável entre o império etíope e Portugal.

Ruptura.

“Os portugueses consideraram os governantes da Etiópia sucessores de Preste João ao chegarem lá, mas perceberam que na verdade havia ali um cristianismo com doutrina e rituais independentes”, afirma o historiador José Rivair Macedo, autor de História da África. Hostilizado por causa de seus costumes, o embaixador etíope Saga za Ab não foi aceito como cristão pela corte de dom João III. “A influência multicultural, como o monofisismo, desenvolvido a partir do Egito, que valoriza a figura divina de Jesus, assim como crenças judaicas incorporadas pela proximidade com a Arábia e as trocas iconográficas com cultos africanos locais cedem ao cristianismo etíope um perfil muito diferente do latino”, diz Macedo. Hábitos como o rebatismo anual, a aceitação do divórcio, o casamento de padres, circuncisão, proibições alimentares e o rito do sábado, que não eram praticados dentro da Igreja portuguesa, faziam parte do culto etíope. Sob ordens de dom João III, missionários jesuítas foram enviados para o reino, para tentar converter os africanos à “verdadeira fé”. Os etíopes recusaram a conversão e optaram por continuar respondendo à Igreja Copta de Alexandria e não ao papado de Roma. A tentativa estremeceu a relação dos reinos e, em 1634, os etíopes se uniram aos muçulmanos para expulsar os jesuítas.

O livro Kebra Nagast, “Glória dos Reis”, do século 13, que detalha a linhagem dos imperadores africanos, afirma que a rainha de Sabá, curiosa para testar a sabedoria do rei Salomão, partiu para seu templo em Jerusalém. O encontro resultou em um filho, Menelik I. Ele ganhou do pai a Arca da Aliança, que continha os Dez Mandamentos, e a teria levado para a Etiópia em 950 a.C.
Desenho da África feito pelo cartógrafo Abraham Ortelius em 1570. Créditos: Aventuras na História/Wikimedia Commons.
Se o judaísmo já tinha raízes na cultura etíope, o cristianismo foi transplantado por um bispo alexandrino em 333. O grego Frumêncio, capturado por piratas em uma viagem comercial, foi levado ao rei de Axum e se tornou membro de sua corte. Batizou o herdeiro do trono, o príncipe Ezana, que se tornaria o primeiro rei cristão do país. As moedas axumitas, que traziam o símbolo da Lua crescente e do Sol, passaram a ser cunhadas com a cruz. Com o avanço dos muçulmanos pelo Mar Vermelho e a conquista da Síria e do Egito, em meados do século 7, porém, o reino viveu um período de isolamento e o império axumita entrou em decadência. As moedas de Ezana sairiam de circulação. Ainda assim, a relação entre o sangue bíblico e o poder político se sustentou até 1974, quando o negus Haile Selassie foi deposto por um golpe militar. Transformado em deus pelo movimento rastafári, foi o último imperador salomônico do país.

Fontes.

https://pdjeliclark.wordpress.com/2013/10/11/hunting-prester-john-in-the-end-times-columbus-and-the-apocalyptic-imaginary/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Preste_Jo%C3%A3o (Fonte Principal)

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-preste-joao-etiopia.phtml

http://www.aast.ipt.pt/pt/index.php?s=white&pid=271&identificador=

https://core.ac.uk/download/pdf/61433906.pdf

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