Construção do hospital. Créditos: Wikipédia. |
O manicômio era formado por dezesseis pavilhões independentes, tendo cada um deles a sua função específica:
- Pavilhão "Zoroastro Passos" para mulheres indigentes;
- Pavilhão "Antônio Carlos" para homens indigentes;
- Pavilhão "Afonso Pena";
- Pavilhão "Milton Campos";
- Pavilhão "Rodrigues Caldas" e
- Pavilhão "Júlio Moura".
O Hospital Colônia.
Pacientes, em 1921. Créditos: Wikipédia. |
Uma dessas edificações era o Hospital Colônia, construído em 12 de outubro de 1903 em terras da Fazenda da Caveira, na época propriedade de Joaquim Silvério dos Reis. Constituído por 16 pavilhões independentes, cada um com uma função diferente, sempre separando homens de mulheres à princípio, o hospital particular era destino de pacientes tuberculosos antes de se tornar um depósito humano.
Ao longo dos anos, a instituição foi perdendo a mão de suas próprias funções. Com poucos leitos para abrigar tantos doentes e com a perda de dinheiro no sistema administrativo do hospital pela ausência da elite carioca que ia se tratar no local, a falência começou a se aproximar. Em 1930, o estabelecimento faliu de vez e a Secretaria de Estado de Saúde do Estado de Minas Gerais (SES) se apossou das funções do local, automaticamente tornando-o uma instituição de natureza pública rebatizada de Hospital Colônia de Barbacena, oficialmente transformando-o em um hospício. O órgão comprou a responsabilidade pela manutenção e funcionamento do hospital, trazendo a maioria dos funcionários através de concursos públicos.
Tendo inicialmente cerca de 200 leitos. O Colônia estava operando muito acima de sua capacidade normal, contanto com em média 5 mil pacientes por internação na década de 1950 - Há um relato, do Doutor Jairo Toledo, que em um único dia, dezessete pacientes vieram a morrer durante a madrugada, vítimas do intenso frio.
Os pacientes, oriundos de diversos estados do Brasil, chegavam em Barbacena por trem, em vagões abarrotados, cuja condição desumana fez surgir a expressão "trem de doido" para significar viagem ao inferno.
Enquanto o plano do Hospital Colônia era primariamente atender a pessoas com transtornos mentais, o local acabou por tornar-se um campo de extermínio para aqueles que não se adequavam aos padrões normativos da época ou não atendiam aos interesses políticos de classes dominantes.
De fato, cerca de 70% dos pacientes do Colônia não possuíam diagnóstico de transtorno psicológico algum: Muitos eram apenas alcoólatras, andarilhos, amantes de políticos, crianças indesejadas, epiléticos, inimigos políticos da Elite local, prostitutas, homossexuais, vítimas de estupro e pessoas que simplesmente não se adequavam ao padrão normativo da época, como homens tímidos e mulheres com senso de liderança ou que não desejavam casar-se. Boa parte da população do Hospital Colônia também era de etnia negra.
Como o Colônia não tratava apenas pessoas da cidade, muitas vinham de fora, desembarcando de trem. Em 1933, o escritor Guimarães Rosa, que trabalhou brevemente como médico no Colônia, chamou o lugar de “trem de doido”. Anos mais tarde, em 1962, Rosa publicaria um conto inspirado na ocasião, intitulado “Sorôco, sua mãe, sua filha”:
Não era um vagão comum de passageiros […], num dos cômodos as janelas eram cercadas de grades, feito as de cadeia, para os presos.[…] Ia servir para levar duas mulheres, para longe, para sempre.Vida na Instituição.
As condições de vida dentro da instituição eram sub-humanas. Os tratamentos funcionavam à base de tortura: utilizavam cadeiras elétricas, solitárias e camisas de força. Os pacientes eram submetidos a situações precárias, como fome e sede. Em alguns casos, chegavam a beber a própria urina. Nos pátios, viviam nus e em meio a ratos e baratas, além de urinarem e defecarem no chão.
Muitas pessoas eram colocadas no Manicômio de Barbacena pela própria família. Era o caso de mulheres indesejadas pelos maridos e parentes que tinham algum tipo de deficiência, transtorno ou distúrbio, como Síndrome de Down, Autismo ou Dislexia.
Os métodos de tratamento e as condições do Manicômio causaram a morte de mais de 60 mil pessoas. O período em que mais morreram pessoas nessa instituição foi por volta de 1960 a 1970, no início do Regime Militar no Brasil (1964-1985).
Além de serem forçados a trabalhar manualmente e dormir sobre folhas, os internos ainda precisavam lidar com estupros, torturas físicas e psicológicas que eram frequentes dentro do Hospital. Pacientes eram submetidos à terapia de choque e duchas escocesas sem nenhuma razão aparente, tal tortura era aplicada com o propósito de servir apenas como castigo ou devido à perseguição oriunda de falta de afinidade entre pacientes e funcionários. Muitos não resistiam e acabavam falecendo.
Devido a superpopulação, os internos andavam parcialmente ou completamente nus e eram expostos às baixas temperaturas de Barbacena durante a noite. Em uma tentativa de sobreviver, buscavam aquecer-se dormindo em círculos, mas ainda assim muitos padeceram por conta de hipotermia.
Não existia um sistema de água encanada ou suprimento de alimentos que abastecessem o alto número de pacientes. Muitos banhavam-se ou bebiam de um esgoto a céu aberto dentro do local; Para proteger seus bebês que eram separados das mães após algum determinado tempo, grávidas cobriam a si mesmas com fezes, evitando que funcionários e outros pacientes se aproximassem. Doentes eram abandonados em seus leitos para morrer.
Crianças que cresceram dentro do Colônia jamais aprenderam a falar, ler ou escrever e contavam com a ajuda de bons-samaritanos no local para realizar atividades mais básicas.
Em 1961, o fotógrafo Luiz Alfredo do Jornal O Cruzeiro retratou a realidade dentro do Hospital por um determinado período de tempo, trazendo a público o que ocorria no interior dos muros do Colônia.
Em 1979, o jornalista Hiram Firmino, publicou diversas reportagens intituladas "Nos porões da loucura", que revelavam a verdadeira loucura do que se passava no Hospital Colônia e Helvécio Ratton realiza o filme sobre o mesmo tema intitulado, Em Nome da Razão.
Tráfico de Corpos.
Com o alto índice de mortalidade no Colônia, o cemitério próximo já não possuía mais espaço para comportar tantos mortos. Visando uma alternativa, funcionários corruptos encontraram no tráfico de corpos uma maneira de amenizar a situação e lucrar com isso - Diversas Universidades ao redor do país encomendavam os restos mortais das vítimas do Colônia para seus Laboratórios Anatômicos, como por exemplo a Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Quando a procura era baixa, os corpos eram meramente dissolvidos em ácido.
Os Sobreviventes.
O silêncio gritou a realidade quando, em 1961, o fotógrafo Luiz Alfredo, do jornal O Cruzeiro, a convite do então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, capturou tudo o que se passava dentro do Hospital Colônia, expondo ao público. Em depoimento marcante para a VICE, em 2013, uma das falas do profissional foi: “Ainda havia democracia no país aquela época. Como poderia haver algo desse tipo?”.
Todo mundo se chocou, mas nada foi feito. Em 1979, o jornal O Estado de Minas publicou uma série de reportagens intituladas “Os porões da loucura”, detalhando o que as fotos não alcançavam – se é que isso era possível. No mesmo ano, o documentário Em nome da Razão, de Helvécio Ratton, levou uma equipe para inspecionar a decadência humana que corria solta na Colônia. Franco Basaglia, grande nome na luta pelo fim dos sanatórios, declarou abertamente à imprensa, após visitar o local, que havia estado em um campo de concentração nazista.
Até o início de 1980, cerca 60.000 pacientes morreram. Entre estes mortos, 1.853 tiveram seus corpos vendidos para faculdades de medicina. Foi apenas na década de 1980 que a história do Hospital Colônia teve fim, encerrando de vez as atividades. Dentre os que sobreviveram durante e depois, adicionando os que fugiram, soma-se um total de 200 pessoas.
Atualmente, 190 pacientes em situação de baixa sobrevida, são tratados no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena. Após o fechamento, seus pouquíssimos sobreviventes foram transferidos para abrigos de melhores condições e por direito, passaram a receber indenização do Estado. Seus relatos podem ser encontrados no livro da jornalista Daniela Arbex, O Holocausto Brasileiro.
Em memória daqueles que foram exterminados na Colônia Barbacena, no mesmo local, foi aberto o Museu da Loucura em 1996. As barbáries cometidas por detrás das paredes do local foram crimes institucionalizados, tendo o Estado como o responsável. Contudo, nunca houve uma reparação formal, nem mesmo com os que sobreviveram, apenas um fechar de olhos permanente, um desviar de atenção do retrovisor de nossa história, deliberadamente ignorando o que Miguel de Cervantes escreveu em seu Don Quixote de La Mancha: “A história é émula do tempo, repositório dos fatos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro”.
Fontes.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hospital_Col%C3%B4nia_de_Barbacena
https://medium.com/neworder/o-holocausto-brasileiro-mem%C3%B3rias-da-col%C3%B4nia-de-barbacena-613d78839f2
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-manicomio-de-barbacena-o-holocausto-brasileiro-que-matou-60-mil-pessoas.phtml
https://www.megacurioso.com.br/estilo-de-vida/114002-hospital-colonia-de-barbacena-o-holocausto-brasileiro.htm
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