quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

E.C.B IV: O Crime da Mala (1928).

Aquele 7 de outubro de 1928 era um dia rotineiro no Porto de Santos. Uma chuva miúda caía sobre o cais, enquanto alguns navios embarcavam cargas e passageiros. Um guindaste içava as bagagens do vapor de bandeira francesa Massilia, com destino a Bordeaux. De repente, nessa operação, várias malas e um baú se soltaram do guindaste e se estatelaram nas pedras do cais, diante do armazém nº 13.

Para os homens do mar, a quebra de um cabo é sinal de mau presságio. “Quando não é contrabando, traz um dia de azar”, comentou o marinheiro Flowy Delphonse, que estava a bordo. Com a queda, abre-se um pequena fresta na mala e por ela escorre um líquido escuro e com um mau cheiro. Lógico que tal peça despertou suspeitas.

Giuseppe Pistone e Maria Féa a
bordo do navio Conte Biancamano.
Créditos: Wikipédia.
O navio estava se preparando para zarpar. A Mala estava bem trancada (a sete chaves praticamente) e amarrado por uma corda de juta, trazia indicações de que viera de São Paulo pela SPR – a Inglesa, como era conhecida a ferrovia que ligava São Paulo a Santos. A mala era endereçada a Ferrero Francesco, em Bordeaux na França. Avisam o comandante Paul Chasmasson, nisto policiais se aproximaram, abrindo caminho entre os curiosos que começavam a se aglomerar. Em seguida o delegado Armando Ferreira da Rosa chega é rompida a fechadura.

Cortada a corda que envolvia o baú, surgiu o corpo despedaçado de uma mulher clara, delgada, coberta com partes de um vestido.

Alguns objetos prosaicos acompanhavam os despojos. Uma caixinha de pó de arroz Coty, quinze pares de meia, duas almofadas, duas camisolas, duas saias comuns, uma saia com anágua, um chapéu, um frasco de pastilhas para a garganta, outro de perfume, um missal impresso em italiano, e também a navalha utilizada no crime. O MAIS SINISTRO estava um feto de uma menina, com aproximadamente seis meses de gestação.

A notícia lúgubre espalhou-se de boca em boca, antes mesmo de sair nos jornais. Nessas primeiras horas de incerteza, muita gente especulava se, pelas circunstâncias do crime, o autor daquela barbaridade não seria Michel Trad, de regresso ao Brasil.

A cena provocou arrepios, pois exatamente 20 anos antes, em setembro de 1908, Michel Trad, no navio a vapor Cordillère no percurso de Santos para o Rio, tentava arremessar uma mala ao mar, no entanto foi impedido. O comandante foi chamado e quando um serralheiro a abriu foi achado o corpo de um homem. Ganhava as páginas dos jornais o “1° Crime da Mala”.

Naquele meio de tarde de 1928, uma segunda feira, o “2°” crime da mala começou a ser investigado pela polícia de Santos. A polícia marítima reuniu os passageiros no convés mas ninguém com o nome de Ferrero Francesco foi encontrado. Todas as saídas da cidade estavam fechadas e ninguém saía sem ser averiguado. O corpo encontrado foi levado para o cemitério de Saboó, perto da entrada de Santos. Tratava-se de uma jovem loira, pele clara, magra e de olhos castanhos. Na autópsia se verificou que ela havia morrido por asfixia, estrangulada com as mãos. As pernas foram cortadas na altura dos joelhos e a espinha dorsal e o pescoço foram fraturados.

A caminho do Rio de Janeiro, o comandante do navio Massilia verifica a presença de três romenos que teriam embarcado a mala e a polícia do Rio foi acionada para prender os suspeitos e interroga-los. Em seus depoimentos, os romenos foram uníssonos a afirmar que apenas prestaram um serviço para um homem italiano que precisava se despedir de um amigo dando dez mil reis pela gentileza. Deram ainda as primeiras descrições: alto, loiro, bem vestido e com sotaque em italiano. As informações foram passadas para o delegado de Santos, que resolveu reexaminar a mala a procura de pistas que levassem ao assassino, descobrindo uma pequena etiqueta da estrada de ferro de São Paulo, onde foram investigar.

Lá, descobriram que o suspeito tinha comprado uma passagem de ida e volta São Paulo – Santos, onde interrogando o responsável pelas bagagens se verificou que o suspeito ficava o tempo todo ao lado da mala, sendo que a descrição feita pelo interrogando bateu integralmente com a dos romenos. Lá, o carregador indicou o suspeito a deixar a bagagem no depósito e um homem chamado Nataniel indicou para passar a noite na pensão Roma. Chegando a pensão Roma se verificou que o nome dele seria Giuseppe Rosso. Os policiais passaram a noite na estação mas não acharam ninguém com este nome para prender. Nesta mesma noite, o delegado Ferreira Rosa conta todos os detalhes ao delegado de São Paulo Cordeiro Franco.


Em São Paulo a polícia chega a Estação da Luz. Naqueles tempos, as pessoas viajavam preferencialmente de trem da capital paulista para Santos. Na Luz, o balanceiro Augusto Coutinho lembrou-se da mala. Estava muito pesada, 87 quilos. Tinha a indicação de levar roupas usadas, mas ao balanceiro parecia que contivesse ferragens. Um homem com a descrição do que fora visto sentado na mala, no cais, a trouxera. As pessoas que não só despachavam cargas, mas também viajavam no trem tinham direito a um desconto. Para obtê-lo, o magro de olhos azuis teve de mostrar seu bilhete. O número ficou registrado: 4.276, série P, 1° classe. Estava comprovado que o homem e a mala haviam partido de São Paulo. Era importante, mas o mistério continuava.

Os jornais de 8 de outubro de 1928 estampavam reportagens grandes, com fotos, do corpo encontrado no navio atracado em Santos. Graças a estas reportagem que as descobertas da polícia avançaram. O motorista Vicente Caruso apareceu no Gabinete de Investigações e contou que foi o responsável por levar a mala estampada nos jornais para a Estação da Luz e que esta havia sido retirada de um prédio da Rua da Conceição (hoje a Avenida Cásper Líbero), terceiro andar, apartamento 6.

Foi descoberto ainda que a mala fora comprada numa fábrica da Avenida São João, quando o dono da fábrica compareceu no Gabinete de Investigações e levou junto o empregado, qual havia entregue a mala na Rua da Conceição, 34.

Chegando a este endereço, encontraram Ramiro Franco e sua mulher, Maria Sitrangulo, proprietários da casa de apartamentos e contaram que sublocavam um quarto para um casal que levava uma vida “retraída e misteriosa”, qual chamavam-se Giuseppe Pistone e Maria Mercedes Féa. O assassino e sua vítima, enfim, tinham nome.

A senhora Sitrangulo disse ter ouvido “dois gritos de mulher, abafados”, mas que ao contar ao marido este não deu muita importância ao fato, mas que estes gritos haviam sido cinco dias antes da descoberta do corpo. O delegado que comandava as investigações, Carvalho Franco, reuniu seus inspetores e foi com eles vistoriar o quarto do casal. Encontrou vestígios do sangue que havia sido raspado do assoalho e na pia do apartamento.

O 2° Crime.

A história do segundo crime da mala começou a ser esboçada a bordo de um navio de carreira que partira da Itália, rumo à Argentina, em dezembro de 1926. Nele viajavam Giuseppe Pistone e Maria Mercedes Féa. Ela ia se encontrar com a mãe e um irmão em Buenos Aires, onde viviam. Pistone nascera em 1897, em Canelli, pequena cidade do norte da Itália, famosa pela fabricação de espumantes. Seus pais, gente de classe média, eram agricultores vinhateiros. Ele participara da Primeira Guerra Mundial e, quando o conflito teve fim, sentiu-se livre para tentar a sorte do outro lado do Atlântico, tanto mais que os anos de pós-guerra foram marcados por uma intensa agitação social na Itália.

Maria viajava sozinha, em terceira classe. Giuseppe se interessou pela moça e, quando o navio fez escala em Barcelona, pagou a diferença de preço da passagem para que Maria subisse à segunda classe. Segundo ele, os dois dormiram em camarotes separados. Em Buenos Aires, começaram um namoro que resultou no casamento realizado em fevereiro de 1928. Logo em seguida, o casal viajou para a Itália, onde ela foi conhecer a família do marido.

Numa fotografia tirada a bordo, o casal parece feliz no convés do Conte Biancamano, um navio de passageiros que fazia a linha Itália–Argentina, com escalas no Brasil. Maria, apoiada na amurada do navio, tem o cabelo cortado à la garçonne e um turbante na cabeça. Traz um casaco escuro no braço direito, veste blusa e cardigã claro, saia plissada até o joelho, meias brancas cobrindo-lhe as pernas finas. Giuseppe está de perfil, olhando para Maria. De terno escuro e gravata-borboleta, usa um chapéu claro e calça botinas pretas.

O casal passou alguns meses na Itália, só regressando a Buenos Aires em meados de 1928. Não se fixaram na capital portenha, resolvidos a se instalar em São Paulo, aonde chegaram em agosto. Essa pressa em se transferir para o Brasil decorria da condenação de Pistone a alguns meses de prisão, pela prática de um estelionato na província de Santa Fé. O casal passou alguns dias no Hotel D’Oeste – o mesmo em que, mais de vinte anos antes, Trad, Carolina e Farhat costumavam jantar uma vez ou outra.

Pistone providenciou a locação de um quarto num apartamento recém-construído da rua Conceição (hoje Imaculada Conceição), no bairro de Santa Cecília. A escolha não era fortuita. Naquela rua, ao que parece, um parente distante, Francesco Pistone, estabelecera-se com um armazém de secos e molhados. Francesco acolheu o compatriota. Giuseppe trabalhava com seu primo Francesco Pistone, dizendo que poderia ser seu sócio assim que recebe-se parte da herança deixada por seu pai.  Este continuou alimentando a ideia para o primo Francesco, com a ideia de extorqui-lo mais tarde.

Mas Pistone não estava disposto a vegetar num emprego. Já havia recebido uma herança mas que acabou sendo gasta em viagens e passeios. Tão logo chegou ao Brasil, escreveu uma carta para sua mãe, Marcellina Boeri, residente em Canelli, instando que lhe enviasse uma importância em dinheiro (150,000 contos de réis (Ou Liras Italianas), resultante da herança deixada por seu pai. Em carta datada de 12 de setembro de 1928, Marcellina respondeu secamente:
“Para acabar com isso de uma vez, dei ordens ao Banco Comercial para fazer a remessa das tuas 150 mil liras. Fico deste modo livre de uma preocupação. Não acreditava ter um filho assim tão perdulário. Ouve bem que essas são as últimas. Saúda a ti e à senhora, a tua mãe.”
Maria Fea decidiu então escrever uma carta à sogra, revelando toda a verdade sobre os pedidos de dinheiro. Escrevia ela a sogra:
“Tenho sabido de muita coisa incorreta que Giuseppe tem feito. Soube que o senhor Pistone (o primo) te escreveu pedindo 150 mil liras que Giuseppe fez acreditar possuir em tuas mãos (…) Mas nós sabemos que ele não tem mais nada a receber. O senhor Pistone mandou-me chamar e perguntou por que motivo Giuseppe não ia trabalhar. O que posso esperar desse homem que não tem juízo nem capricho?”
Desconfiada das imprevidências do marido, Maria convenceu-o a confiar às mãos de Francesco Pistone 15 mil liras pertencentes ao casal. Quando foram entregar o dinheiro ao depositário, armou-se uma discussão: a quantia era menor e Francesco percebeu que Giuseppe sumira com a diferença. Àquela altura, as relações do casal azedaram de vez.

Na manhã de 4 de outubro de 1928, Pistone saiu do armazém de Francesco e se dirigiu ao quarto do casal, onde habitualmente almoçava. Uma vizinha ouviu a porta bater. Giuseppe descobre a carta.

O casal briga, em seguida, chegou-lhe aos ouvidos da vizinha uma discussão entremeada de gritos, vinda do quarto. Aos gritos sucederam-se sons abafados e, por fim, o silêncio. Pistone assassinara Maria, apertando-lhe a garganta com as mãos (Outras versões Giuseppe sufoca a esposa com um travesseiro). Confessou mais tarde: “Louco de espanto e dor, porque não a apertei (…) mais do que um só minuto, deitei minha Mariuccia sobre o leito, cobrindo-a (…) de beijos (…). Passei toda a noite com sua loira cabecinha entre meus braços”.

Mas por onde andava o “assassino”? Segundo o marido declarou mais tarde, o ato que cometera, apesar de justificável, conforme alegou, deixou-o desesperado. Vagou por muito tempo pelas ruas, pensou em entregar-se à polícia, e resolveu afinal suicidar-se, (outras versões mencionam que lhe faltou coragem. Em vez de tentar pôr fim à vida, preferiu salvar a pele).

O Falso Cadafalso.

Na manhã seguinte ao crime, foi a uma casa de malas na avenida São João e comprou um baú na loja de um italiano chamado Domingos Mascigrande. Quando a peça lhe foi entregue, seccionou o corpo com uma navalha, na altura das pernas, para poder ajeitá-lo no contêiner. No mesmo dia, providenciou o despacho para Santos e desceu a serra pelo trem noturno. No dia seguinte, depois de ter recolhido o baú, foi a uma agência de viagens e pediu uma etiqueta, que preencheu com o nome de um falso destinatário: “Ferraro, Francesco – Bordeaux, França”. Um carregador deixou a encomenda perto do vapor Massilia, para ser embarcada.


Tudo corria bem, até que o plano desandou. Ao ser içado para bordo por um guindaste, o baú soltou-se e caiu ao chão. Aberto, dele surgiu o corpo despedaçado de Maria Féa. Pistone, que olhava a cena à distância, voltou imediatamente a São Paulo. Giuseppe havia contratado um táxi para levar este novamente a São Paulo, pelo preço de 200 mil reis, indo eles pela estrada de rodagem. Este táxi o deixou na casa nº 30, da Rua Ypiranga, onde residia um amigo de nome Grasso, proprietário daquela pensão. Entregou a este todos os documentos que possuía, bem como o recibo do depósito de 12.000 liras que estavam na Casa Pistone, da qual ele era empregado.

Resolveu encenar com o senhorio a mudança de domicílio. Foi à Rua Santa Ifigênia, 90-A, onde acertou com Max Tablow, um comerciante judeu de móveis usados – descrito como “um russo baixinho, gordo e com um defeito na vista” –, a venda da mobília do casal.

Como os vizinhos estranhassem a súbita transferência, explicou-lhes que Maria caíra doente e eles tinham decidido mudar-se para uma casa na Barra Funda. A história era meio esquisita. Quando os jornais publicaram em primeira página a notícia do crime, com fotos de Maria e Pistone, uma vizinha os reconheceu e foi à polícia, acompanhada do marido.

Algumas versões são conflitantes, uma versão diz que Giuseppe acabou sendo preso na casa de um amigo italiano, onde se abrigara. Outra diz que a polícia o encontrou justamente na ocasião em que saía para um automóvel, a fim de chegar até ao Rio Tietê, onde pretendia afogar-se. Disse que sua intenção era suicidar-se, porém foi impedido.

A polícia chegou a Max Tablow, arrecadou-os para exame. Numa das gavetas do guarda-vestidos foi encontrada uma navalha, quebrada, sem vestígios de sangue. Levada para o Gabinete de Investigações e apresentada ao criminoso, ele reconheceu a arma, dizendo que foi com esse instrumento que seccionou as articulações da coxa. Depois de acondicionado o cadáver na mala, lavou-a cuidadosamente, motivo pelo qual não apresenta vestígios de sangue.

Soube também a polícia que, dentro dos móveis comprados a Pistone, tinham sido encontrados trapos, papéis velhos, rasgados, e outras coisas. Os empregados da casa de móveis de Max Tablow limparam os móveis e lançaram ao lixo esses objetos imprestáveis. Foi aí que a polícia encontrou a prova decisiva, esmagadora, que revela perfeitamente a calma com que agiu o criminoso.

A lata de lixo foi levada para o Laboratório de Técnica Policial e examinado seu conteúdo, lá foi verificado alguns pedaços de uma corda fina, igual a que amarrava a mala, tendo esta vestígios de sangue. Além da corda, foi encontrado um pedaço de pano com as iniciais da vítima “M. F.” bordadas, pano este retirado da camisa que estava sobre o corpo dentro da mala.

Se vendo sem saída, Pistone confessou o crime. Em suas primeiras declarações, ele tentou justificar-se com uma história fantástica, que se não fosse tão mirabolante poderia livrá-lo de uma condenação, ou pelo menos reduzir sua pena, na condição de marido desesperado diante de uma cena de adultério.

Segundo sua narrativa, no dia do crime ele teria saído mais cedo do armazém de secos e molhados para almoçar em casa. Entrou no prédio em que morava, tomou o elevador, desceu no 3º andar e, ao caminhar pelo corredor, esbarrou num homem corpulento, que levava um chapéu palheta nas mãos. Achou o homem estranho, apressou o passo e, ao entrar no apartamento, surpreendeu a mulher seminua, na cama desfeita do casal. Uma centelha de desespero teria quase lhe escurecido a visão e, sem saber o que fazia, agarrou o pescoço de Maria e acabou por asfixiá-la (Seja com as Maõs ou travesseiro).

Dias mais tarde, Pistone acrescentou mais pimenta à história, ao dizer que desconfiava havia algum tempo do procedimento da mulher. O ultraje à sua honra fora tamanho que a esposa teria chegado a frequentar os rendez-vous (Zona, Puteiro, Bordel) existentes no Largo do Arouche. Apesar dessa história nada crível, pelo sim, pelo não, alguns inspetores de polícia se encarregaram de fazer uma verificação. Percorreram os locais mencionados e exibiram às prostitutas uma fotografia de Maria, sem qualquer resultado.

Embora a condenação de Pistone a uma longa pena fosse previsível, o processo criminal não foi despido de interesse. Ainda que empobrecido a ponto de não poder pagar as despesas do processo, o réu foi defendido tenazmente por uma série de advogados. O mais importante deles foi o dr. Antonio Covello, um dos mais brilhantes profissionais de júri de São Paulo, famoso pela dramaticidade de sua oratória. Um outro, o Dr. Moraes Sarmento, conseguiu suspender a exibição de um filme lançado em São Paulo, um mês após o crime. Depois de atacar o sensacionalismo da imprensa – que, segundo ele, fugia à sagrada missão de orientar a opinião pública –, o advogado acentuou que o filme acirraria as pessoas contra um réu em princípio inocente, pois ainda não fora julgado pelo Tribunal do Júri.
O episódio que Dr. Moraes Sarmento conseguiu suspende é o filme, O Crime da Mala. Dirigido por Francisco Madrigano, foi lançado em 31 de outubro(Esses caras tem uma Tara pelo dia 31 de Outubro) de 1928. O assassinato foi também tema de um episódio especial do programa Linha Direta. Exibido em 2 de junho de 2005, reconstituiu os principais momentos do crime, com Ana Paula Tabalipa no papel de Maria Féa e Gabriel Braga Nunes no papel de Giuseppe Pistone.
A batalha judicial girou sobretudo em torno de pareceres a um tempo minuciosos e contrastantes, assinados por peritos de prestígio, a partir do laudo necroscópico de Maria. O professor Afrânio Peixoto, catedrático de medicina legal da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, indicado pela acusação, depois de longas considerações concluiu que, sem sombra de dúvida, o laudo era exato em suas conclusões, ao demonstrar a morte de Maria Féa por asfixia. Já o professor Flamínio Fávero, catedrático da mesma disciplina na Faculdade de Medicina de São Paulo, concluiu que era forçada a afirmação do laudo, uma vez que a morte de Maria teria se dado por traumatismo externo da laringe. Como a autopsia constatasse que Maria estava grávida de seis meses, um dos peritos indicados pela defesa chegou a afirmar que uma eclampsia – enfermidade consequente da hipertensão arterial, que ocorre na gravidez ou no pós-parto – poderia ter sido a causa da sufocação da garganta.

Pistone tratou de fazer render as dúvidas a respeito da morte de Maria. Desmentiu a história do adultério, referiu-se ao estado de fraqueza da mulher durante a gravidez, e passou a afirmar que, quando entrou no quarto do casal, encontrou-a já morta. Se culpa tivera, fora por profanação de cadáver. Reconhecia ter cometido erro grave ao tentar dar cabo do corpo, mas praticara o ato movido pelo temor do que lhe poderia suceder, pois “estando em terra estranha não conhecia ainda a generosidade do povo brasileiro”.

Condenação.

Aos olhos de hoje, soa familiar a parafernália de recursos apresentada pelos advogados do réu. Apelações, embargos declaratórios, agravos de petição, agravos de instrumento, revisão da pena. Em meio ao processo, um delegado de polícia veio em socorro de Pistone, argumentando que o réu era impulsivo, e não um monstro, como a imprensa insistia. Mas todo o esforço dos defensores pouco lhe valeu. Encarcerado desde 1928, por ocasião do início do processo, em 15 de julho de 1931, é condenado a 31 anos de prisão, por homicídio, latrocínio e ocultação de cadáver (E passou 6 anos apelando para todos os recursos).

Em 13 de junho de 1944, através de um decreto presidencial de Getúlio Vargas, sua pena é comutada para 20 anos de prisão. Pistone é colocado em liberdade condicional em 3 de agosto do mesmo ano, e sua pena é considerada cumprida em 5 de novembro de 1948. Consegue emprego em Taubaté, como zelador de um prédio. Volta a casar-se em 1949, vindo a falecer em 28 de junho de 1956, com 62 anos de idade.
Quase meio século mais tarde, em 1975, Milton Bednarski, ex-policial e advogado, um estudioso de crimes famosos, constatou que a vítima, uma mulher fina, honrada, ficara marcada pela suspeita do adultério. Um detalhe incomodava Bednarski, que resolveu investigar e encontrou o suposto “amante” de Maria Féa, qual disse que nunca tinha estado com a vítima, mas que Pistone sabia seu nome pois trabalhava em uma alfaiataria onde este havia feito alguns ternos.
Algumas características comuns estabelecem uma ponte entre os dois crimes da mala. Em ambos, não obstante a distância de vinte anos, salta aos olhos a forte presença dos imigrantes, na São Paulo das três primeiras décadas do século XX. Excetuando-se os membros do aparelho policial e judiciário, os protagonistas são sírios ou italianos. Cartas, atestados e outros documentos redigidos em francês, ou em italiano, recheiam os processos. Neles, as falas dos réus e de muitas testemunhas são transcritas com o auxílio de um tradutor.

Depois dos dois primeiros crimes da mala, muitos outros se sucederam em São Paulo, mas sem as peculiaridades dos dois primeiros e sem a mesma repercussão. Os crimes pioneiros foram cantados em prosa e verso, em fascículos publicados nos jornais, em reportagens, em romances e em filmes. As películas, como O Crime da Mala – A Tragédia Silenciosa, de Francisco Madrigano, e A Mala Sinistra, do cineasta luso-brasileiro António Leal, atraíram grande público aos cinemas não só de São Paulo e do Rio de Janeiro.

A lembrança dos dois assassinatos e de seus personagens variou. A tragédia de 1908 foi quase esquecida, a ponto de se falar da que lhe sucedeu como “o primeiro crime da mala”. As figuras de Trad, Elias Farhat ou Pistone desapareceram no tempo, ao contrário do que ocorreu com Maria Féa.

Pela brutalidade do crime, pelas injúrias lançadas contra ela, pelo fato de estar grávida, Maria foi transformada em santa popular e a seu túmulo, no Cemitério da Filosofia (Ou Cemitério do Saboó) em Saboó, Santos. Seu túmulo desde então virou alvo de uma espécie de peregrinação religiosa, com fiéis atribuindo a ela diversos tipos de milagres. A mala do crime encontra-se atualmente em exposição no Museu do Crime, em São Paulo.

Foto da simulação do crime que está no Museu do Crime - São Paulo.

Fontes.                                                                                                                                            029 de 186

https://pt.wikipedia.org/wiki/Crime_da_mala_(1928)

http://www.justificando.com/2015/02/19/da-serie-julgamentos-historicos-o-crime-da-mala/

https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-morte-na-mala/

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