Entre as rainhas célebres das amazonas estão Pentesileia, que teria participado da Guerra de Troia, e sua irmã, Hipólita, cujo cinturão mágico foi o objeto de um dos doze trabalhos de Hércules. Saqueadoras amazonas eram frequentemente ilustradas em batalhas contra guerreiros gregos na arte grega, nas chamadas amazonomaquias.
Na historiografia greco-romana, existem diversos relatos de invasões das amazonas na Anatólia. As amazonas foram associadas com diversos povos históricos, ao longo da Antiguidade tardia. A partir do período moderno, seu nome passou a ser associado com as mulheres guerreiras da atualidade. O termo Amazonas é frequentemente utilizado para se referir a mulheres que montam a cavalo, participando em provas de equitação em destreza ou salto.
Espera, essa não e uma (Mini) Enciclopédia dos Mitos e Lendas do Brasil, o que o mito grego, está fazendo aqui? Explicarei isso.
Ano de 2003, nesta época tinha em torno de 8-9 anos, lembro de uma chamada da Rede Globo para um filme, o Telefilme, Hércules e as Amazonas (no original, Hércules and the Amazon Women) este foi, em pesquisas posteriores (e recentes para compor este Post) o primeiro filme da série Hercules: The Legendary Journeys.
Voltado para o passado ao ouvir e assistir essa chamada, me veio um estalo, (Só lembrando que tinha em torno de 8-9 anos) que parte da Mitologia grega diz que Hércules veio para o Brasil enfrentar as Amazonas?
As Icamiabas.
A 1° vez que ouvi de fato a lenda das Amazonas, não foi no relato grego original, e sim no Catalendas, que de fato contribuiu para espalhar a rica cultura do Folclore Brasileiro, e me fez imaginar esse Crossover inusitado entre o herói grego e as guerreiras amazônicas na minha infância, durante do filme entendi que imaginei além do que era para imaginar.
Mas vamos falar das Amazonas Brasileiras...
Icamiabas' ou iacamiabas (do tupi i + kama + îaba, significando "peito partido" ou "mulheres sem marido") ou coniupuiaras ("grandes senhoras") é a designação genérica dada a índias que teriam formado uma tribo de mulheres guerreiras que não aceitavam a presença masculina. Icamiabas são nomes indígenas dados a mulheres guerreiras análogas às amazonas da mitologia grega, que supostamente viveram no Brasil.
Em torno de 400 a 600 anos atrás, existiu na região Amazônica, próximo às cabeceiras do rio Jamundá, um reino formado somente de mulheres guerreiras, conhecidas como Icamiabas, isto é, mulheres sem homens ou ainda mulheres sem maridos e, uma terceira interpretação, mulheres escondidas dos homens.. Mas há outra designação, também encontrada no rico folclore sobre elas, que as chama de Cunhã-teco-ima, o que quer dizer mulheres à margem da lei ou sem lei.
Elas viviam completamente isoladas, só mantendo contatos esporádicos com homens.
Em certas épocas do ano estas mulheres belas e guerreiras celebravam suas vitórias sobre o sexo oposto. Neste dia, uma grande festividade era organizada e elas desciam do monte onde viviam até o lago sagrado denominado "Yaci Uarua" (Espelho da Lua).
Durante à noite, quando a Lua deitava sobre o espelho da água, as Amazonas mergulhavam nela com seus corpos fortes e morenos. Após este ritual de purificação e limpeza, estas deusas da Lua clamavam pela Mãe do Muiraquitã. Os estudiosos folcloristas identificaram esta entidade como uma fada, mas ela também cabe na classificação de Grande Mãe das Pedras Verdes. Era ela que entregava a cada uma daquelas mulheres uma pedra da cor verde (jade), denominada de "Muiraquitã", onde encontravam-se esculpidos estranhos símbolos. Receberiam-nos ainda moles, porém, logo que saíam da água eles endureciam. Segundo os índios Uaboí, os amuletos eram vivos e para apanhá-los, as índias feriam-se e deixavam cair uma gota de sangue sobre o tipo que queriam. Isso feito, o animal morria e elas se atiravam na água para buscá-los.
Cada nativa trazia em seu pescoço seu talismã propiciatório de proteção material e espiritual. Mas elas também os presenteavam àqueles que seriam os futuros pais de seus filhos. Estes homens eram selecionados para fecundá-las e depois eram mantidas vivas as meninas, que mantinham a continuidade da casta matriarcal das mulheres guerreiras.
As Amazonas foram vistas pela primeira vez pelo padre espanhol Gaspar de Carvajal, cronista da expedição de Francisco de Orellana. Tal encontro ocorreu no lugar exato onde o rio Negro encontra-se com o Amazonas e não foi muito atraente a estada para estes exploradores. Ao chegarem a aldeia das índias, constataram que no centro de uma praça erigia-se um ídolo, que era o símbolo de uma poderosa Senhora, Rainha de uma grande nação de mulheres guerreiras. Uma dúzia de guerreiras investiram contra os espanhóis e tiraram a vida de vários indígenas que os acompanhavam. Carvajal as descrevia como sendo mulheres altas, belas, fortes, de longos cabelos negros, tez clara e que andavam totalmente despidas, com arcos e flechas e guerreavam como dez índios.
Esta descrição nos remete à um coração de uma caçadora também solitária, Ártemis. Estas mulheres índias representam o arquétipo mais puro e primitivo da feminilidade. Foram deusas nativas que santificavam a solidão, a vida natural e primitiva a qual todos nós podemos retornar quando acharmos necessário a busca de nós mesmos. Como Ártemis, elas possuem um amor intenso pela liberdade, pela independência e pela autonomia. Um amor que pode transparecer como agressão, pois elas sempre irão lutar para preservar sua liberdade.
As Amazonas de Carvajal
Uma expedição comandada por Gonzalo Pizarro, irmão do conquistador do Peru Francisco Pizarro, saiu de Quito no Natal de 1541, com o objetivo de atravessar os Andes em busca do "País da Canela", uma terra situada do outro lado da muralha dos Andes, na selva oriental, onde se supunha que as árvores de onde se podia extrair a valiosa especiaria cresciam em quantidade. Não as encontraram, em quantidade comercialmente útil e decidiram descer o rio Napo (no atual Equador) em busca de outras possíveis riquezas. Depois de descerem 300 quilômetros, exausto e faminto, Gonzalo Pizarro mandou, um de seus comandados, Francisco de Orellana, buscar provisões à frente de um grupo. Porém, Orellana não voltou e depois de seis meses, Pizarro, julgando que fora traído ou que Orellana fora morto, regressou a Quito com os demais sobreviventes.
Frei Gaspar de Carvajal, que acompanhou Francisco de Orellana nessa aventura, relata-nos o sucedido. A expedição desceu o rio Napo, mas sua corrente era forte demais e em apenas um dia de viagem, teriam percorrido 120 quilômetros. Sem poder retornar, Orellana foi forçado a seguir em frente. Algumas semanas depois, no dia 11 de fevereiro de 1542, atravessou a foz do Rio Napo e alcançou um rio muito maior. Ali, os índios irimaraés lhe perguntaram se iam "visitar o território das ‘grandes senhoras’ (coniupuiara, em nheengatu), pois, se o fizessem, se acautelassem porque elas eram muito numerosas e que os matariam".
As Amazonas segundo Ulrico Schmidl. Créditos: Fantastipedia |
Em outra aldeia, teram contrado uma praça com uma grande escultura em relevo, onde figurava, sob dois leões, uma cidade murada com altíssimas torres. Tendo Orellana perguntado sobre o seu significado, teria sido informado de que os habitantes eram súditos e tributários das amazonas, a quem forneciam penas de pássaros.
Frei Carvajal descreveu inúmeros outros encontros e acidentes, mas o mais notável se deu em 24 de junho de 1542, dia de São João, quando a expedição deteve-se perto da foz do rio Nhamundá (perto da atual divisa entre Amazonas e Pará) para festejar o santo. De novo tiveram de enfrentar uma tribo hostil. Orellana tentou o entendimento, mas os aborígenes afirmaram "que nos apanhariam a todos para nos levarem às mulheres guerreiras". Os espanhóis responderam com o fogo das armas, a luta intensificou-se e o próprio Carvajal foi ferido. Surgem então as ditas mulheres com arcos e flechas em socorro da tribo. "Elas lutavam com tal ardor que os índios não ousavam recuar e se algum fugia à nossa frente eram elas quem os matavam à paulada (...) São muito alvas e altas, com cabelo muito comprido, entrelaçado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas a pêlo, tapadas em suas vergonhas; com os seus arcos e flechas na mão, fazem tanta guerra como dez índios (...) Em verdade houve uma dessas mulheres que meteu um palmo de flecha por um dos bergantins, e as outras, um pouco menos, de modo que os nossos bergantins pareciam porcos-espinhos."
Segundo Carvajal, um índio aprisionado no combate disse que aquelas mulheres viviam a sete jornadas da margem e que, como o seu senhor Couynco estava a elas subordinado, vieram ajudá-lo. O indígena conhecia suas terras, aonde já fora levando-lhes o tributo em nome de Couynco. Disse que viviam em casas de pedra com portas, agrupadas em 70 aldeias cercadas, pelas quais ninguém passava sem pagar tributo. Coabitavam com índios que capturavam em guerras que empreendiam apenas para esse propósito. Ao engravidar, mandavam embora esses homens sem lhes fazer mal. Os filhos homens eram sacrificados ou enviados aos pais e as meninas, treinadas para a guerra. Sua rainha se chamava Coñorí e em suas terras havia grandes riquezas de ouro e prata e cinco templos dedicados ao Sol, chamados caranaí, com assoalhos e tetos pintados, além de inúmeros ídolos femininos de ouro e prata. Andavam com roupas finíssimas, fabricadas com a lã das "ovelhas peruanas" (alpacas): "seu trajar é formado por umas mantas apertadas dos peitos para baixo, o busto descoberto, e um como manto, atado adiante por uns cordões. Trazem o cabelo solto até o chão e postas na cabeça coroas de ouro, da largura de dois dedos". Sua terra é povoada por camelos (lhamas) que servem de animais de carga e havia dois lagos de água salgada. Ao anoitecer, todos os homens deviam retirar-se de suas cidades.
Apesar do encantamento do dominicano com as guerreiras nuas, o contato lhe custou caro. Segundo ele próprio, “Nosso Senhor achou adequado que uma flecha atingisse um dos meus olhos, de modo que o atravessasse de um lado a outro” e perdeu o olho esquerdo. Em 26 de agosto de 1542, Orellana e seus soldados finalmente viram o mar e rumaram para o norte ao longo da costa. Alguns dias depois, ancoraram em Cubagua, pequena ilha na Venezuela e puderam contar ao mundo sua história, devido à qual o grande rio ficou conhecido como "rio das amazonas", hoje rio Amazonas.
Fantasia das Amazonas de Roland Stevenson, capa da Lista Telefônica do Estado do Amazonas em 1989: Créditos: Fantastipedia |
Em 1576, Pêro de Magalhães Gândavo chamava "rio das amazonas" ao grande rio, comprovando a divulgação do mito no Brasil. E acrescentou: "Algumas índias há também entre eles que determinam ser castas as quais não conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão, ainda que por isso as matem. Estas deixam todo o exército de mulheres e imitam os homens e seguem seus ofícios como se não fossem fêmeas, trazem os cabelos cortados da mesma maneira que os machos fazem, e vão à guerra com os seus arcos e flechas e à caça perseverando sempre na companhia de homens e cada uma tem mulher que a serve com quem diz que é casada, e assim se comunicam e conversam como marido e mulher."
Outros Relatos do Século XVI.
Hernando de la Ribera declarou em Assunção do Paraguai, em 1543, que havia recebido notícias a respeito de mulheres que fazem guerra aos índios chiquitos (do atual departamento de Santa Cruz, na Bolívia) e que "em determinadas épocas do ano, se unem aos índios vizinhos".
Entre 1534 e 1554, o soldado alemão Ulrico Schmidl, a serviço dos espanhóis, ouviu também falar das Amazonas ao subir o rio Paraguai. Um chefe, ao saber que buscavam ouro e prata, lhe deu uma coroa, um bracelete, outros objetos de prata e uma placa de ouro, dizendo que as havia conquistado em uma guerra com as amazonas, que viviam a dois meses de distância por terra. Elas viveriam em uma grande ilha cercada de água, mas o ouro e a prata se encontravam às margens do lago, onde vivem os homens que vêm vê-las três ou quatro vezes por ano. Como as amazonas gregas, queimavam o seio direito das meninas para que melhor manejassem o arco e as armas. Elas formavam uma grande nação e tinham um rei que deveria chamar-se Iñis, como o lugar que lhes foi indicado. Schmidl tentou seguir a indicação, mas as dificuldades se tornaram cada vez maiores e acabou por voltar.
Em 1555, o franciscano francês André Thevet, cosmógrafo do rei, permaneceu, doente, dez semanas no Brasil - na colônia da França Antártica, no atual Rio de Janeiro, fundada por Nicolas Durand de Villegaignon -, onde compilou textos escritos por outros membros da expedição para publicá-los com sua assinatura na França. Um deles era consagrado às amazonas que, segundo ele, teriam se dispersado pelo mundo depois da guerra de Tróia. Na América, eram enconradas em ilhas, onde vivem em pequenas habitações ou cavernas. Importunadas por seus inimigos, defendem-se com ameaças, gritos e gestos horríveis, protegidas por carapaças de tartarugas gigantes. Para matar seus prisioneiros, penduram-no por uma das pernas no galho de uma árvore. Ao cabo de algum tempo retornam e, se o infeliz continua vivo, atiram "dez mil flechas" e acendem uma fogueira debaixo da árvore para reduzi-lo a cinzas.
Agustín de Zárate, em sua Historia del Perú, pubicada em Antuérpia na segunda metade do século XVI, escreve que diante do Chile reina u gande senhor chamado Leuchengorma e que seus vassalos contaram aos espanhóis que "cinqüenta léguas mais à frente, há, entre dois rios, uma grande província povoada inteiramente por mulheres que não aceitam homens junto delas senão durante o tempo necessário à concepção e que, se dão à luz meninos os mandam para os pais, mas se são meninas, elas as ciam." E acrescenta que "sua rainha se chama Gaboymilla, o que significa em sua língua Céu de Ouro, porque dizem que nesta terra cresce grande quantidade de ouro".
Pedro Teixeira
Em 1617, dois franciscanos exploraram o rio pelo caminho inverso de Orellana, subindo do Pará a Quito. Na crônica anônima da viagem, voltam a aparecer as Amazonas. Os índios omaguas teriam dialogado com um soldado que compreendia sua língua e contado que iam uma vez por ano para os lados do norte para visitar as mulheres com as quais viviam por dois meses, e que levavam com eles seus filhos, ao passo que suas filhas ficavam com as mães. Suas concubinas "só têm um seio, são muito altas e se parecem com homens barbudos (...) são habitualmente chamadas Amazonas."
Entre 1637 e 1639, o capitão português Pedro Teixeira acompanhou os frades no caminho de volta ao Pará, levando consigo também o professor de teologia da Universidade de Quito, Andrés de Artieda e o reitor do Colégio da Companhia de Jesus, Cristóbal de Acuña. Dois anos mais tarde, o jesuíta publicou o Nuevo Descubrimiento del gran río de las Amazonas, no qual situou às margens do Japurá, um afluente do Amazonas, a região onde se encontrava o lago mítico de Parima (leia mais em Eldorado), "lago dourado tão desejado que, há muito tempo, constitui a principal inquietude de todos aqueles que estão no Peru". Contou também ter ouvido dos tupinambás a seguinte história:
A 36 léguas (200 quilômetros) desta aldeia, descendo pelo rio, está da parte do norte o das Amazonas, que com o nome de rio Cunuris é conhecido entre aqueles naturais. Toma este rio o nome dos primeiros índios, que sustenta na sua boca, aos quais seguem-se os apautos, que falam a língua geral do Brasil: além destes estão situados os taguaús, e os últimos, que são os que comunicam e comerciam com as amazonas, são os guacarás. Têm estas mulheres varonis o seu estabelecimento principal entre as grandes montanhas e eminentes cerros, dos quais o que mais se distingue entre os outros, e que é mais combatido dos ventos, mostrando-se conseqüentemente sempre escalvado e sem erva, se chama Yacamiaba.
São mulheres de grande valor, e que sempre se têm conservado sem o ordinario comércio de varões e, ainda mesmo quando estes por convenção feita com elas, vêm anualmente às suas terras, são recebidos com as armas nas mãos. E, depois de atirarem por algum tempo com as flechas e convencidas de que vêm de paz os conhecidos, deixando as armas, correm apressadamente às canoas e embarcações dos hóspedes, e levando cada uma as macas ou redes que mais acham á mão, as levam às suas casas e, armando-as em partes, onde os donos facilmente as conheçam, os recebem por hóspedes durante aqueles poucos dias. Findos os quais, eles regressam para as suas terras, continuando anualmente a mesma viagem e pelo mesmo tempo.
Conservam as filhas, que nascem destes ajuntamentos e as criam entre si com desvelo, por serem as que hão de levar avante o valor e costumes da sua nação, porém a respeito do que praticam com os filhos varões não há a mesma certeza: um índio que, sendo ainda pequeno, havia ido com seu pai a estas entradas, afirmou que os entregam a seus pais, quando no seguinte ano vão ás suas terras. Mas o mais certo, por ser o que mais vulgarmente se diz, é que logo que os reconhecem por varões os matam. O tempo descobrirá a verdade. E, se estas são as amazonas famigeradas entre os historiadores, grandes tesouros encerram na sua província para enriquecer a todo o mundo. Está à boca do rio que povoam as amazonas, em seis graus e meio de latitude".
Quando Acuña pergunta sobre sua localização, a resposta é que se encontram em uma região montanhosa: "elas têm suas habitações em montanhas de uma altura prodigiosa". A resposta, semelhante à ouvida um século antes por Orellana, pode ser uma referência indígena aos Andes e antigas histórias sobre os incas.
La Condamine.
Em 1735, o cientista francês Charles-Marie La Condamine, com a autorização do governo português, desceu o rio Amazonas de suas nascentes até a foz, partindo do Peru, com objetivo de explorar a zona equatorial do planeta para mensurações. Perguntou, em todos os locais por onde passou, se os índios tinham conhecimento das mulheres guerreiras descritas por Orellana e Acuña. Todos aqueles que interrogou afirmaram que seus pais haviam lhes contado que havia ali "uma república de mulheres solitárias, que se retiraram para as bandas do Norte, no interior das terras, pelo rio Negro, ou por outro que pelo mesmo lado vem ter ao Maranhão".
Créditos: No Amazonas é Assim. |
Um índio de São Joaquim d’Omáguas nos dissera que acharíamos talvez ainda em Coari um velho cujos pais avistaram as Amazonas. Soubemos aí que o índio que nos fora indicado havia morrido; mas falamos ao filho que parecia ter 70 anos e que chefiava os outros índios da mesma aldeia. Ele nos afirmou que seu avô vira com efeito discorrer tais mulheres pela entrada do rio Cuchivara, provindo do rio Caiame, que desemboca no Amazonas pelo lado Sul, entre o Tefé e o Coari; que ele chegou a falar com quatro dentre elas; e que uma trazia uma criança ao peito. Ele nos disse o nome de cada uma, e ajuntou que partindo do Cuchivara, elas atravessaram o grande Rio, e tomaram o rumo do Rio Negro.
Ele também interrogou habitantes da margem direita do Amazonas, em face do Nhamundá, acerca da origem dos muiraquitãs. Responderam-lhe que não sabiam fazê-los e que os pais de seus pais as tinham recebido das mulheres sem marido.
Desses relatos, La Condamine concluiu que grupos de mulheres fugidas da escravidão a seus maridos teriam construído, no passado, um local onde pudessem viver de maneira independente, como faziam, em sua época, muitos escravos fugidos.
Humboldt.
Entre 1799 e 1804, o naturalista prussiano Alexander von Humboldt viajou entre o Orinoco e o Rio Negro. Não conhecendo as línguas indígenas da região, perguntou sobre as mulheres sem marido a um missionário, o padre Gili, que lhe disse ter ouvido de um índio que uma nação de aikeam-benanos vivia nas margens do Cuchivero, sendo que o segundo destes termos significa, em língua tamanaque, "as mulheres que vivem sozinhas." O índio confirmou a observação de Gili e acrescentou que elas fabricavam longas zarabatanas e outros instrumentos de guerra, que só admitiam uma vez por ano a visita dos homens da nação vizinha de vokearos e que matavam os meninos na primeira infância.
Humboldt fez a mesma suposição de La Condamine, supondo que a lenda das amazonas se referia a um antigo quilombo de mulheres que recebia ocasionalmente a visita de alguma horda vizinha e amigável.
Relatos Posteriores.
Henri Coudreau, agente francês que visitou o Amazonas nos anos 1880, contou que circulava ali uma lenda segundo a qual, na fronteira entre Brasil e Guiana, onde se encontram as fontes do Anauá ou do Jauapiri, existia uma tribo de mulheres que governavam suas próprias malocas. A origem dessa nação seria uma espécie de cortesãs belas, apaixonadas, provocadoras e lésbicas. A maloca das mulheres constituiria uma sociedade do prazer, um convento de desfrutadoras experientes. Os homens pouco lhe interessa, senão para variar seus jogos eróticos e para obter filhas, pois que imolam ritualmente suas crianças do sexo masculino. Obtêm homens por meio da captura de guerreiros das tribos vizinhas e aceitam voluntários. Nos dias normais ficam nuas, mas, quando há festa, se vestem à maneira dos tupinambás. A utilização de afrodisíacos é freqüente; assim, por volta dos quarenta anos, os homens que as serviram, esgotados, tornam-se impotentes. Embora continuem a utilizá-los às vezes, tendo em vista certos prazeres secretos, as mulheres lhes destinam pequenos trabalhos de jardinagem e pesca. Apenas ela praticam a caça e a guerra, aliás com extraordinária habilidade, e conhecem sutis venenos com os quais untam suas flechas. Durante suas freqüentes orgias, entram em transes histéricos, se que isso acarrete doenças nervosas, brigas ou outras violências.
Segundo escreveu em "A Lenda das Amazonas", artigo na revista Oceanos de outubro de 1989, o fotógrafo português Luís Torres Fontes, ao subir o Nhamundá por 300 quilômetros, encontrou um chefe kaxuiana que lhe disse que sua tribo descende de um grupo de mulheres que se afastaram de suas famílias para viverem sozinhas na montanha. Elas fundaram a tribo dos kaxuianas que, depois de dispersar-se, deu origem a todas as tribos da Amazônia e, por extensão, a toda a humanidade.
Os Muiraquitãs.
Muiraquitã verde, com forma de rã. Créditos: Fantastipedia |
Os muiraquitãs (do tupi mbïraki'tã "o nó das árvores, das madeiras", de muyrá (mbyra) "árvore, pau, madeira" e quitã "nó, verruga, arredondado") são amuletos com uma perfuração que permite que sejam levados ao pescoço. São encontrados mais freqüentemente no Baixo Amazonas, especialmente nos arredores de Óbidos e nas praias, entre a foz do rio Nhamundá e a do Tapajós. Há ocorrências na ilha de Marajó, além de Santarém, Alto Tapajós, norte de Manaus e até nas Guianas e ilhas do Caribe. Os mais afamados são verdes, feitos de jade (jadeíta, de cor verde viva, ou nefrita, esverdeada ou azulada) com a forma de uma rã ou sapo, símbolo de fertilidade na Amazônia. Também são encontrados muiraquitãs brancos, marrons e negros, de ardósia, diorita, estratita ou pedra-cristal, com formatos diversificados, incluindo cilindros, morcegos, peixes e figuras humanas.
Em 1889, Barbosa Rodrigues julgou que esses artefatos de jade, mineral que supunha não existir nas Américas, demonstravam a origem asiática da civilização amazônica. Sua premissa, porém, estava errada. Antonio Carlos Simões da Silva, em sua obra Nephrite in Brazil (1917), relatou ocorrências do mineral em Amargosa (BA), Campinas (SP), Piuí (MG), Pinheiros (RJ), Óbidos (PA) e Olinda (PE). As civilizações mesoamericanas - olmecas, maias, toltecas e astecas - conheciam e trabalhavam a jadeíta, que embora mais abundante em Myanmar, existe econtinua a ser explorada comercialmente na Guatemala. Os tapajós provavelmente obtinham jade por meio de trocas com outros povos das Américas, através de uma série de intermediários.
Os arqueólogos acreditam que os muiraquitãs foram artesanalmente produzidos pela sofisticada cultura Santarém ou Tapajônica, que existiu no Baixo Amazonas de 1000 d.C. até algum tempo depois do descobrimento. Foram levados a outras regiões por meio de trocas. Os tapajós teria sido o povo encontrado por Carvajal no Nhamundá, dando origem à lenda das amazonas. "Bota de si 60 mil arcos quando manda dar guerra", relatou em 1662, sobre o povo Tapajó, o ouvidor português Maurício Heriarte. Alguns arqueólogos calculam em 200 mil pessoas a população da cultura Santarém na pré-história. É possívle que suas mulheres também lutassem na guerra.
Existe um muiraquitã com a forma de uma cabeça de cavalo, indicado que essas peças continuaram a ser produzidas por algum tempo depois da chegada dos colonizadores. Em 1946, o arqueólogo João Barbosa de Faria, em busca de sítios arqueológicos na área de Trombeta-Nhamundá, recolheu uma tradição corrente entre os moradores da localidade de Faro, segundo a qual os índios Uaboí continuaram por algum tempo a fabricar os amuletos da pedra verde, na região Nhamundá, depois que as Amazonas se retiraram para o norte.
Encontrou-se lascas e fragmentos de pedra verde, junto com cacos de cerâmica, muiraquitãs e outras peças, num sítio arqueológico nas margens do rio Nhamundá, em 1880. Encontra-se exposto nos Museus de Bonn e Halles, na Alemanha, um grande bloco de nefrite de 5 a 6 quilos, serrado em duas partes, recolhido em 1878, no "rio Topayos, Brasil".
Segundo uma lenda hoje espalhada pela Amazônia, os muiraquitãs seriam presentes que as amazonas davam aos homens da tribo vizinha, os guacaris, como lembrança de sua visita anual. Conta-se que, para isso, nas noites de lua cheia, elas extraíam as pedras ainda moles do fundo do lago em cuja margem viviam, dando-lhes a forma que quisessem, antes de ficarem duras com a exposição ao ar. Com isso, o portador seria bem recebido onde a exibisse, com a frase muiraquitã catu.
Muiraquitãs de diferentes formatos e cores. Créditos: Fantastipedia |
Em outra versão, em certas épocas do ano, as amazonas celebravam a lembrança de suas vitórias sobre os homens. Preparavam-se para esta comemoração gloriosa por uma purificação simbólica. Chegado o dia da festa, elas desciam da Iaci-Taperê ("Aldeia da Lua"), no alto da serra onde viviam e chegavam em bandos às margens do lago Iaci Uaruá ("espelho da Lua"). Aí, durante a noite, quando a Lua se refletia no espelho prateado do lago, as Amazonas mergulhavam nas águas lustrais. Depois, purificadas por esse banho tradicional, invocavam a mãe da Muiraquitã, da pedra verde como a floresta e esta, toda clemente, dignava-se aparecer na festa noturna. A entidade misteriosa entregava, a cada uma das penitentes purificadas, uma pedra muiraquitã, com desenhos simbólicos e a forma que a amazona preferisse.
A icamiaba levava seu talismã que, exposto à luz do sol,aos raios da Mãe do Dia (Uaraci), endurecia e guardava sua forma definitiva. Era o presente que ela reservava ao indígena que receberia, cada ano, numa época determinada. O indígena usaria, suspenso ao pescoço, essa "pedra das amazonas", ainda encontrada entre eles, que o preservaria de malefícios e asseguraria seus projetos.
Explicações
Nos anos 1920, o historiador argentino Enrique de Gandía afirmou que as amazonas haviam sido um relato, deformado pela distância, das virgens do Sol, das Casas das Escolhidas e da organização social do Império Inca. Os funcionários dos incas selecionavam nas aldeias as acllacunas, para receber por quatro anos uma educação especial. Uma vez por ano, o imperador escolhia entre elas suas esposas secundárias e atribuía algumas aos membros da nobreza, tornando-se as demais mamacunas ou "virgens do Sol", destinadas a exercerem funções religiosas em conventos onde produziam, entre outras coisas, tecidos finos para o Inca e a nobreza. Esses conventos eram maiores que muitas aldeias da selva, guardavam riquezas em louças e outros artefatos, eram construídos com pedras e cuidadosamente vigiados. Não tinham contato com os homens a não ser na partilha anual das jovens e as guerras em que combatiam corresponderiam às incursões dos incas na floresta.
Já o historiador brasileiro Mario Maestri sugeriu que a explicação poderia estar nos hábitos sexuais dos tupinambás. A homossexualidade, tanto masculina quanto feinina era admitida e, nesse caso, o/a tupinambá assumia o papel social correspondente às suas inclinações sexuais. Os homens homossexuais se comportavam como mulheres e como tais eram tratados, enquanto as lésbicas eram assimiladas pelo grupo dos homens e participavam das atividades masculinas: participavam das deliberações dos homens, possuíam uma esposa e usavam armas na caça e na guerra. Seria possível que os tapajós, entre os quais Carvajal encontrou as coniupuiaras originais, tivessem costumes semelhantes.
Fontes.
Livros e Artigos.
- Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2000.
- Jorge Magasich-Airola e Jean-Marc de Beer, América Mágica: quando a Europa da Renascença pensou estar conquistando o Paraíso. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
- Maria Inês Smiljanic, "Da 'invenção' à 'descoberta científica' da Amazônia: as diferentes faces da colonização", em Revista Múltipla, nº10, ano VI, 2001.
- Luísa de Paiva Boléo, "Mulheres Guerreiras".
- Rosane Volpatto, "As Amazonas", em Jangada Brasil.
- Claudio Angelo, "Estudo questiona 'império' das amazonas"
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