quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Impeachment de Dilma Rousseff. 2° Parte. Dominoes Falls I.

O impeachment de Dilma Rousseff consistiu em uma questão processual aberta com vistas ao impedimento da continuidade do mandato de Dilma Rousseff como presidente da República Federativa do Brasil. O processo iniciou-se com a aceitação, em 2 de dezembro de 2015, pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, de uma denúncia por crime de responsabilidade oferecida pelo procurador de justiça aposentado Hélio Bicudo e pelos advogados Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, e se encerrou no dia 31 de agosto de 2016, resultando na cassação do mandato de Dilma. Assim, Dilma Rousseff tornou-se a segunda pessoa a exercer o cargo de Presidente da República a sofrer impeachment no Brasil, sendo Fernando Collor o primeiro em 1992.

Dois anos se passaram do 2° impeachment nesta jovem República, de 2016 para cá, a Guerra  Fria entre Direita e Esquerda aumentou gradativamente. Acusações de ambos os lados, mais forte a Esquerda, gritando aos 4 ventos que foi um Golpe. Pois bem nesta série de Posts vamos compreender um pouco sobre esse recente momento histórico na Política Brasileira.

Processo na Câmara dos Deputados.

O processo de destituição de Dilma teve início com a formação de uma comissão especial composta por 65 deputados, com representantes de todos os partidos, a qual deveria avaliar a adequação do pedido e a eventual remessa do processo ao plenário da Câmara dos Deputados. Depois da criação da comissão e de o pedido de impeachment ter sido lido em sessão da Câmara, a presidente foi notificada e passou a ter dez sessões para apresentar a sua defesa. Se a comissão emitisse parecer favorável ao impeachment, haveria a continuação do processo com uma votação, que exigiria o apoio de dois terços dos deputados federais (342) para o afastamento temporário de Dilma, seguindo-se a posse do vice-presidente Michel Temer como presidente interino, por um período de até 180 dias. Com a aprovação na Câmara dos Deputados, um segundo processo seria instaurado no Senado.

Porém, em 8 de dezembro, o ministro Luiz Edson Fachin, do STF, suspendeu todo o processo de impedimento devido a questionamentos dos deputados sobre a forma que o processo deveria ser conduzido, fato que havia gerado tumultos. Assim, todo o rito ficou paralisado até que houvesse uma decisão do Supremo. Um dia depois, em 9 de dezembro, Fachin afirmou que iria "propor um rito que vai do começo ao final do julgamento do Senado (...)". Isso causou discussões, pois Fachin era alvo de polêmicas levantadas pela oposição, que o considerava "progressista" por ser ligado a movimentos sociais. Além disso, ele também era alvo de suspeição por ter declarado seu voto em Dilma nas eleições de 2014. Porém, ele surpreendeu na seção de 16 de dezembro, votando favoravelmente, por exemplo, ao afastamento da presidente do cargo por até 180 dias, caso a Câmara decidisse pela abertura do processo, para então ser julgada pelo Senado. Além de Fachin, a maioria dos ministros do Supremo votou pela manutenção da decisão que mudava o rito do processo. As consequências seriam: a impossibilidade de chapas ou candidaturas avulsas, a votação aberta para a escolha dos membros da comissão, e a permissão de o Senado não instaurar um processo próprio, mesmo com a decisão da Câmara a favor da abertura. Dessa forma, o STF respondeu aos embargos de declaração da Câmara. O relatório dos ministros destravou o processo, que estava parado desde dezembro de 2015, e aumentou as chances de impeachment de Dilma.

Comissão Especial Definitiva.

Rogério Rosso (PSD-DF), ex-governador do Distrito Federal, foi eleito presidente da comissão.
Jovair Arantes (PTB-GO), foi escolhido para a relatoria. Rosso e Arantes são aliados de Cunha.
Em 17 de março, a Câmara finalmente elegeu, por votação aberta, os 65 integrantes da comissão especial, com 433 votos a favor e apenas 1 contra. Os partidos predominantes eram o PT e o PMDB, cada um com 8 membros; O PSDB teve 6 membros; as demais 43 vagas foram repartidas entre 21 partidos. Em uma outra sessão, Rogério Rosso, líder do PSD e aliado de Cunha, foi eleito presidente da comissão, enquanto Jovair Arantes, líder do PTB e também aliado de Cunha, foi nomeado relator do processo. Cunha acreditava em um prazo de 45 dias para a conclusão dessa parte do processo, mas tal prazo dependia de sessões de segunda a sexta e quóruns de pelo menos 51 deputados.

Manifestação dos Autores do Pedido.

Os autores do pedido Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior
depõem na Comissão Especial do processo de impeachment.
Créditos: Wikipédia.
Em 30 de março, Miguel Reale Júnior depôs à comissão, dizendo que as pedaladas representavam crime devido a serem uma forma de mascarar o deficit fiscal, e por levar a União a contrair empréstimos com suas próprias entidades financeiras, o que é ilícito segundo a LRF. Segundo ele, esta ruptura do equilíbrio fiscal gerou uma cascata de eventos que culminaram em inflação, recessão, e desemprego, afetando sobretudo os mais pobres. Enfatizou também que o fato de tal manobra ter sido realizada por governos anteriores não a tornava menos ilícita segundo o Código Penal, onde é tipificado como crime de responsabilidade, e que as pedaladas no governo Dilma foram maiores e mais frequentes. Assim, esperava provar que tais operações de crédito não tinham sido simples fluxo de caixa. Rebateu a crítica de que não se deveria considerar fatos do 1º mandato, pois o STF tinha já definido que um agente público pode sim ser punido por fatos anteriores ao mandato.

A seguir, depôs a advogada Janaína Paschoal, concordando que "Impedimento sem crime é golpe", mas assegurando que haviam crimes de responsabilidade de sobra, referindo-se aos decretos não autorizados que abriram créditos também não autorizados, e ao comportamento omissivo doloso da presidente na corrupção que envolvia a Petrobras. Então, do ponto de vista dela, o golpe foi tentar apresentar um superavit que não era real. Ainda contestando as insinuações governistas de golpe, ela declarou que o pedido de afastamento tinha base legal e continha denúncias de violações à legislação. E acrescentou que a falta de responsabilidade fiscal do governo criou uma situação financeira muito grave para os brasileiros.

Manifestações da Defesa.

Em 31 de março de 2016, ocorreu a defesa de Dilma Rousseff perante a comissão. Foram escolhidos os Ministro da Fazenda Nelson Barbosa, e o professor de Direito Tributário Ricardo Lodi Ribeiro para representá-la. Ambos sustentaram que os atos da presidente estavam de acordo com as exigências do TCU, sob a justificativa de que a prática foi referendada pelo mesmo e pelo Congresso em vários governos anteriores da República:

José Eduardo Cardozo, da Advocacia Geral da União, em defesa
de Dilma. Créditos: Wikipédia.
O Ministro da Fazenda disse que só deveriam ser considerados no processo os fatos ocorridos desde o começo do 2º mandato, onde não tinham havido manobras fiscais, e ressaltou que os 6 créditos suplementares abertos no mandato anterior não modificaram o plano financeiro de 2015, nem o limite global de gasto discricionário do governo. Além disso, a maior parte dos decretos, segundo ele, haviam sido financiadas por meio da anulação de despesas, ou atendendo a pedidos.

O professor de Direito Tributário também defendeu que a meta fiscal de 2015 foi cumprida, pois o Congresso aprovou a alteração. Também defendeu os créditos suplementares, e disse que era possível prever uma situação financeira ruim de acordo com os relatórios bimestrais, mas que o governo fez contingenciamentos ao longo de 2015. Portanto, não haveria crime de responsabilidade, e portanto, não poderia haver impeachment. Reiterou que a desaprovação popular não é um motivo legal para o impeachment. Sua presença causou tumulto, por ele ser sócio do escritório do qual fez parte o Ministro do STF Luís Roberto Barroso. O advogado respondeu que não estava presente como sócio, mas sim como professor adjunto da UERJ.

Em 4 de abril, o presidente da comissão, Rogério Rosso, decidiu que o Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, também poderia fazer a defesa da presidente no processo, após questionado por deputados do PPS, PTB e PSB, muito embora outros parlamentares tenham argumentado que a AGU só pode defender presidentes da República quando a ação é de interesse da União, enquanto o impeachment seria, segundo eles, de interesse pessoal da Dilma.

Então, na defesa que o advogado da União fez no mesmo dia, disse que o impeachment era inválido, e que feria a Constituição, por não haver crime de responsabilidade que o justificasse; sendo portanto, um golpe. Acrescentou que Eduardo Cunha desviou seu poder ao agir pelo desejo de vingança e retaliação, por os petistas não o terem apoiado no Conselho de Ética; logo, o processo foi contaminado e os resultados deviam ser nulos. Disse que as pedaladas fiscais não foram operações de crédito, mas sim atrasos nos contratos de prestação de serviços dos bancos públicos, e que tai operações só passaram a ser consideradas irregulares pelo TCU em 2015, não sendo válida uma "punição retroativa". Quanto ao crédito suplementar, disse que todos foram respaldados por pareceres técnicos, seguindo a lei orçamentária, e por isto, não eram irregulares.

Votação do Relatório da Comissão.

O relator Jovair Arantes deu um parecer contrário a Dilma, recomendando seus colegas a votarem pela abertura de processo de impeachment. Disse estar convicto de "indícios de gravíssimos e sistemáticos atentados à Constituição Federal" e o seu relatório assumiu a existência de um crime de responsabilidade, enfatizando as pedaladas fiscais e seus efeitos na crise econômica. Ele sustentou ainda que os atrasos nos repasses foram empréstimos à União.
A profunda crise brasileira não é só econômica e financeira, mas também política, e, principalmente, moral. O governo perdeu sua credibilidade aos olhos de nossa sociedade e perante a comunidade internacional. (…) Tais atos justificam a abertura do excepcional mecanismo do impeachment. 
Jovair Arantes, em seu relatório sobre a admissibilidade do processo, em 6 de abril de 2016.
O relatório foi aprovado em 11 de abril de 2016, por 38 votos a 27, numa sessão tensa de 9 horas de duração, com bate-bocas e provocações entre deputados do governo e da oposição. O PMDB e o PSD liberaram os votos de seus membros, levando os votos desses partidos, e os discursos também, a ficarem divididos.

Votação no Plenário da Câmara.

Na manhã dia 15 de abril (sexta-feira), foi aberta uma sessão na Câmara dos Deputados para determinar se o processo seria admitido. Esta foi a maior sessão da história, tendo encerrado-se somente na noite de sábado (16 de abril). O roteiro era: 25 minutos para os autores do pedidos, 25 minutos para a defesa da presidente, e 1 hora para cada partido com representação na Câmara.

No domingo, 17 de abril, a sessão definitiva ocorreu, com previsão de 10 segundos para cada voto, que poderia ser "sim" (pela admissibilidade do processo de impeachment), "não" (contra a admissibilidade do processo de impeachment), ou abstenção. Eram necessários 342 votos a favor para abrir o processo no Senado. O Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, votou a favor do impeachment, o que é incomum, considerando-se a tradição de neutralidade do cargo de Presidente da Câmara. Pouco depois das 11 da noite (após quase 10 horas), foi emitido o voto nº 342 a favor, enviando o processo ao Senado. Ao todo, foram 367 votos a favor do impeachment, e 137 contra.

O Deputado Bruno Araújo logo após proferir o 342º voto que autorizou o processo de impeachment.
Créditos: Wikipédia.
No dia 9 de maio, com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, afastado pelo STF, o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PSDB), que tinha votado contra o impeachment, decidiu anular a sessão que aprovou a admissibilidade do impeachment de Dilma, a pedido de José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União. O presidente interino da Câmara marcou uma nova votação no plenário, a ocorrer depois da devolução do processo pelo Senado. Justificou alegando uma série de vícios que tornariam nula a decisão da Câmara. A decisão de Waldir foi duramente criticada pela Ordem dos Advogados do Brasil. Em resposta, Renan Calheiros ignorou Maranhão e disse que daria continuidade ao rito iniciado. Na mesma noite em que decidiu anular a decisão da Câmara, Maranhão voltou atrás e manteve a decisão de dar prosseguimento ao impeachment.

Processo no Senado Federal.

Segundo a legislação, o primeiro passo da tramitação do impeachment no Senado Federal seria a leitura em plenário do parecer da Câmara favorável à abertura do processo. Em seguida, Calheiros criaria a comissão especial para a análise do processo e pediria aos líderes partidários a indicação dos 42 senadores que iriam compor a comissão: 21 titulares e 21 suplentes. O rito prosseguiria com a eleição da comissão especial, que elegeria o seu presidente e o seu relator.

Se o parecer da comissão fosse pela admissibilidade do processo e o texto fosse aprovado pelo plenário, o processo contra a presidente seria instaurado e ela seria notificada e afastada do cargo por um período de até 180 dias. Com isso, Temer assumiria o governo. Se o parecer da comissão pela admissibilidade fosse rejeitado no plenário, a denúncia contra Dilma seria arquivada.

Comissão Especial.

Em 19 de abril, foi lida no Senado a decisão da Câmara dos Deputados. Renan Calheiros, presidente da Câmara, queria convidar Lewandowski para presidir as atividades no Senado, antes da fase prevista na Constituição, para assim evitar questionamentos jurídicos. No dia 21 de abril, o senador Raimundo Lira (PMDB-PB) foi escolhido como presidente da comissão, enquanto o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) foi escolhido como relator - conforme as normas do Senado, o partido com a 2ª maior representação possui a prerrogativa de indicar o relator. A comissão teve 22 membros ao todo.

Em 28 de abril, os autores do pedido de impeachment foram ouvidos pela comissão:
  • Miguel Reale Júnior disse que Dilma falhou ao provocar o descontrole das contas públicas, com as operações de crédito nos bancos estatais. Disse que Dilma tinha responsabilidade, pois sua personalidade centralizadora sempre tomava para si as decisões. E que as pedaladas eram como um "cheque especial", e também que Dilma sabia não haver condição para os créditos suplementares serem feitos.
  • Janaína Paschoal, logo depois, defendeu que haviam crimes de responsabilidade e crimes comuns de sobra. Disse que houve sim dolo por Dilma a partir do momento que o governo optou por não registrar as operações de crédito com os bancos públicos, impedindo que estas ações fossem contabilizadas de forma transparente. Acusou o governo de ter usado um programa do BNDES destinado a pequenas empresas para realizar empréstimos a empresas de grande porte.
Em 29 de abril, a defesa foi apresentada:
  • Nelson Barbosa, Ministro da Fazenda, explicou que a Lei Orçamentária Anual (LOA) estabelece condições para decretos suplementares serem editados, e que os 6 decretos estavam de acordo com esta lei, pois todos se valeram de 3 fontes legais: remanejamento de recursos financeiros, sem aumento do orçamento; excesso de arrecadação; e superavit financeiro. Também, citou uma mudança de interpretação do TCU, onde havia-se decidido que não se poderiam mais editar decretos com base em excesso de recursos ou superavit, porém que não poderia ser aplicada de modo retroativo. Também, disse que as pedaladas fiscais foram praticadas por outras pessoas, não por Dilma;
  • José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, declarou que o processo de impeachment era um ato político, por não ter seguido as fases de análise de contas legalmente previstas: deveria-se primeiro passar pelo TCU, depois para uma comissão no Congresso, depois pelo plenário. Lembrou que o Congresso aprovou a mudança fiscal, quando o governo previu que a meta vigente não se confirmaria. Segundo Cardozo, a operação de crédito não foi vedada pela lei, e não foi Dilma quem os praticou, e sim o Ministro da Fazenda.
  • Kátia Abreu, Ministra da Agricultura, também compôs a defesa.
Sessão da leitura do relatório na Comissão Especial do Senado,
em 4 de maio. Créditos: Wikipédia.
Em 4 de maio, o relator, Antônio Anastasia apresentou parecer favorável ao impeachment. O documento contestou a versão de golpe, em razão da transparência e da observância da lei no processo. Refutou a ilegitimidade em função da aceitação por Cunha, um adversário do governo, pois a autorização da Câmara foi feita em plenário, e não só por Cunha. Anastasia defendeu o impeachment enquanto mecanismo de equilíbrio entre os poderes. O relator repetiu que as operações de crédito foram empréstimos disfarçados, sendo por isto crime de responsabilidade. A sua conclusão foi: "Os fatos criminosos estão devidamente descritos, com indícios suficientes de autoria e materialidade, há plausibilidade na denúncia e atendimento aos pressupostos formais, restando, portanto, atendidos os requisitos exigidos pela lei para que a denunciada responda ao processo de impeachment".

Votação do Relatório da Comissão.

Em 6 de maio, a comissão especial do impeachment do Senado aprovou, por quinze votos a favor e cinco contra, o relatório do senador Anastasia. O texto ainda seria submetido à votação no plenário. Para o relatório ser aprovado, eram necessários os votos da maioria simples dos 21 integrantes da comissão, portanto onze votos. Em 9 de maio, Calheiros declarou que iria desconsiderar a decisão de anulação da votação no plenário da Câmara, tomada por Maranhão no mesmo dia, e dar prosseguimento ao rito, isto é, com a votação do relatório aprovado.

Em 11 de maio, às dez horas da manhã, começou a sessão que se destinava a votar o parecer da comissão no plenário, na qual discursaram 71 senadores. Após vinte horas, portanto já na manhã do dia 12, os senadores aprovaram a abertura do processo de impeachment da presidente por 55 votos a favor e 22 contra. Assim, Dilma foi afastada e Temer passou a ocupar interinamente o cargo de Presidente da República. Durante esse período, haveria o julgamento de Dilma, que ainda manteria alguns direitos do cargo.

Instauração e Instrução do Processo.

Com o início do processo em si no Senado, haveria um julgamento oficial. Os senadores poderiam requerer perícias e auditorias, assim como chamar testemunhas e especialistas. A defesa e a acusação novamente iriam se manifestar e seria produzido um novo relatório, desta vez sobre o mérito do processo. Esse parecer seria votado no plenário. Por maioria simples, o Senado decidiria se aceitaria ou não a pronúncia. Caso a pronúncia fosse rejeitada, o processo seria arquivado e Dilma reassumiria a Presidência. Se a pronúncia fosse aceita, começaria a última fase do processo, o julgamento. Após notificação e nova defesa da presidente, seria marcada a sessão de julgamento, quando se daria a terceira e última votação no plenário, conduzida pelo presidente do Supremo.

Em 1º de junho, Cardozo entregou a defesa de Dilma. A peça de 570 páginas incluía as gravações realizadas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que mostravam conversas entre este e Romero Jucá, asseverando que o único motivo do pedido de impedimento era colocar um fim à Lava Jato e colocando em "arguição de suspeição" o relator do processo no Senado, Anastasia. Cardozo citou também depoimentos que corroborariam a tese de que não houve irregularidades na edição dos decretos suplementares. Para ele, as gravações seriam a prova de que não havia crime, e sim a preocupação da classe política com a investigação conduzida pelo juiz Moro, nunca obstaculizada por Dilma. De resto, Cardozo repetiu a tese de que as pedaladas não configuraram um crime de responsabilidade e de que o processo estava repleto de "flagrantes nulidades e óbvio cerceamento do direito de defesa".

Em 8 de junho, a comissão ouviu durante horas testemunhas indicadas pela acusação. Estas acusaram o governo Dilma de causar uma grande crise no país com a maquiagem das contas públicas, enquanto os aliados da presidente sustentaram que ela não estava ciente das irregularidades e que o TCU mudou o seu entendimento sem alertar o Executivo. Em 13 de junho, as oitivas continuaram com a defesa de Dilma. No entanto, a acusação decidiu abrir mão de quatro testemunhas, sob a justificativa de evitar a tentativa de prolongar excessivamente os trabalhos da comissão, causando indignação entre os aliados da presidente.

No dia 27 de junho, foi apresentada uma perícia elaborada, a pedido da defesa, por técnicos do Senado, apontando a existência de provas de que a presidente afastada agiu diretamente na edição de decretos de créditos suplementares, sem autorização do Congresso. Não foi identificada, entretanto, uma ação de Dilma no sentido de atrasar os pagamentos da União para bancos públicos – as chamadas "pedaladas fiscais" – nos subsídios concedidos a produtores rurais, por meio do Plano Safra.

Sessão do Senado em que foi aprovado o relatório da Comissão
Especial, em 10 de agosto. Créditos: Wikipédia
Em 6 de julho, Dilma apresentou uma carta de defesa no Senado, que foi lida por Cardozo. O conteúdo da defesa foi o mesmo visto antes: a presidente alegou ter errado, porém sem cometer crimes, e acusou o Congresso de punir atos de rotina da gestão orçamentária. Sobre as pedaladas, Dilma afirmou que a gestão do Plano Safra, e portanto os pagamentos, eram de responsabilidade do Ministério da Fazenda. Segundo a presidente, os decretos que ampliaram créditos do orçamento não causaram impacto na obtenção da meta fiscal, pois tratavam apenas de uma previsão de gastos e não determinavam o pagamento de despesas, que estavam limitadas naquele momento por um contingenciamento no caixa do governo federal. Ela finalizou afirmando que o processo teve razões políticas, citando a tentativa de obstruir a Lava Jato com um novo governo. A manifestação de Dilma marcou a última etapa da fase de investigação da comissão.

Em 12 de julho, a acusação apresentou as suas alegações finais. Os autores do pedido voltaram a afirmar que Dilma cometeu crime ao editar decretos de créditos suplementares e ao praticar as "pedaladas fiscais". Essa fase é chamada de "pronúncia", uma fase intermediária em que o colegiado ouviu depoimentos de testemunhas, solicitou documentos para produção de provas, realizou perícias e acompanhou a leitura da defesa pessoal da presidente. "De todo modo, haja vista o entendimento que prevaleceu nesta comissão, os denunciantes asseveram que os crimes praticados no ano de 2015 são suficientes a ensejar o definitivo afastamento da denunciada", afirmaram os autores da denúncia nas alegações finais. Os juristas também afirmaram que a petista deveria ser afastada em definitivo "para o bem do país". Além disso, os citados autores disseram que os decretos e as "pedaladas" foram um "golpe eleitoral" que atingiu o povo brasileiro.

Em 28 de julho, Cardozo entregou as alegações finais de Dilma na fase intermediária. O documento de 524 páginas repetiu a tese de que não houve crime de responsabilidade nas "pedaladas fiscais" e na edição de decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso. A defesa incluiu o pedido do Ministério Público do Distrito Federal para que a Justiça Federal arquivasse uma investigação aberta a fim de apurar se houve crime em operações de crédito feitas por autoridades do governo da presidente Dilma. Além disso, a defesa alegou que o processo de impeachment, que foi classificado como "golpe", foi aberto em um ato de "vingança" e desvio de poder de Cunha. Por fim, alegou que a edição de decretos complementares sem a autorização prévia do Congresso faz parte da "rotina" de presidentes da República e não possui irregularidades.

Em 2 de agosto, Anastasia apresentou um parecer favorável ao processo de impeachment de Dilma. Ele apontou no relatório que havia provas de que Dilma teve responsabilidade sobre as ações de governo que configuraram crimes de responsabilidade. O relatório considerou que houve ilegalidade nos dois pontos da denúncia do impeachment: a edição de decretos que ampliaram a previsão de gastos do governo e as chamadas "pedaladas fiscais" no Plano Safra. Em 4 de agosto, os senadores integrantes da comissão aprovaram o relatório em votação vencida por 14 votos a 5. Assim, foi encerrada a segunda fase do processo, chamada "juízo de pronúncia", e o passo seguinte seria a votação do parecer no plenário do Senado. Se aprovado, os senadores decidiriam se havia elementos que justificassem o julgamento da presidente.

Na madrugada de 10 de agosto, o Senado aprovou, por 59 votos a 21, o texto principal do relatório, que recomendava a condução a julgamento da presidente afastada na Casa. Consequentemente, a presidente passou à condição de ré no processo. Comandada por Lewandowski, a sessão teve início às 9h44min do dia 9. A previsão inicial era a de que duraria pelo menos vinte horas e o relatório só fosse votado de madrugada. No entanto, a sessão foi encurtada depois de vários senadores inscritos, principalmente do PSDB e do PMDB, abrirem mão dos dez minutos a que cada um teria direito para discursar. Além dos discursos pró e contra Dilma, houve um pedido de suspensão e um questionamento de legitimidade do Senado e do relator, ambos rejeitados; e uma etapa de manifestações finais da acusação e da defesa. Com a conclusão da votação do relatório, o processo deveria ir a julgamento final no plenário do Senado, no fim do mês.

Julgamento.

Fernando Holiday, Kim Kataguiri (sentados, ao celular) e Joice
Hasselmann (direita, de branco) em 29 de agosto de 2016 no
Senado, acompanhando uma das votações do processo de
impeachment. Créditos: Wikipédia
Em 10 de agosto, a acusação apresentou o chamado libelo acusatório, que continha as acusações finais contra a presidente Dilma. Embora houvesse o prazo de 48 horas para apresentar esse documento, os juristas responsáveis pelo pedido de impedimento se anteciparam para acelerar o julgamento. Além disso, Miguel Reale Júnior informou que a acusação iria abrir mão de três das seis testemunhas a que teria direito no processo e sinalizou que, no dia do julgamento final, poderia até dispensar outras. A defesa também escalou as suas testemunhas, as mesmas que já haviam sido ouvidas pela comissão especial. Após a entrega das peças acusatória e defensiva, Lewandowski marcou para o dia 25 de agosto de 2016 o julgamento final do processo de impeachment. Em 12 de agosto, Cardozo entregou a defesa de Dilma, como uma resposta ao libelo, e foi definido o cronograma do julgamento, que se estenderia do dia 25 ao dia 30, podendo contar com o comparecimento da presidente.

Em 25 de agosto, a etapa final teve início com uma tumultuada sessão que se estendeu da manhã da quinta-feira até o começo da madrugada do dia seguinte, consistindo apenas de inquirição de testemunhas. Em 27 de agosto, Nelson Barbosa usou mais uma vez o argumento de que os decretos de crédito suplementar foram emitidos de acordo com a lei e que a mudança de entendimento do Tribunal de Contas da União não poderia ser usada de forma retroativa para condenar a presidente afastada. Ele também contestou a caracterização das pedaladas como operações de crédito, citando documentos do próprio TCU e de outros órgãos oficiais. Portanto, do seu ponto de vista, não se poderia falar em crime de responsabilidade.

Em 29 de agosto, Dilma compareceu ao Senado para se defender pessoalmente. Ela afirmou que não cometeu crimes de responsabilidade e que era vítima de um golpe de Estado. Disse também que só o povo pode afastar um presidente pelo que ela chamou de "conjunto da obra", visto que o presidencialismo não prevê a destituição do presidente quando este perde a maioria no Congresso. O discurso se estendeu das 09:53 às 10:39. Seu conteúdo incluiu: referências à tortura sofrida durante a ditadura militar; sua convicção na democracia; a suposta ilegitimidade de Temer, a quem chamou de "usurpador"; a condição de "golpe" do processo de impedimento; e o medo de uma ruptura democrática no país. Dilma asseverou que não estava em jogo o seu mandato, mas sim as conquistas sociais dos últimos treze anos e atribuiu a Cunha a autoria do assim considerado golpe. Ela finalizou pedindo aos senadores que votassem pela democracia, esquecendo seus sentimentos pessoais.

A sessão continuou com respostas da presidente às perguntas dos 48 senadores inscritos. Sobre os decretos, ela respondeu que eles não descumpriam a legislação, pois a necessária autorização do Congresso já estava contida na lei orçamentária. Segundo Dilma, o entendimento de que a prática seria um tipo ilegal de operação de crédito só foi fixado pelo TCU no final de 2015 e os atrasos aos bancos já ocorriam em governos anteriores. Ela também afirmou que o Plano Safra do Banco do Brasil não era administrado diretamente por ela, o que excluiria a possibilidade de ser condenada pelas "pedaladas fiscais". Ao ser confrontada por senadores com o argumento de que o seu governo agravou a crise econômica, Dilma mencionou os impactos da crise internacional no país e disse ter feito "o impossível" para que os efeitos negativos não fossem sentidos no Brasil. A respeito da Petrobras, ela rebateu as críticas de que o seu governo teria destruído a empresa e afirmou que os investimentos em pesquisa e produção no pré-sal, na verdade, resgataram a estatal.

Dilma Rousseff defendendo-se no julgamento de seu processo de
impeachment, em 30 de agosto de 2016.Créditos: Wikipédia.
No dia 30 de agosto, houve debates dos advogados de defesa e acusação, além de discursos dos senadores; 43 fizeram discursos favoráveis ao impeachment e dezessete fizeram discursos contrários a ele. Em 31 de agosto, quarta-feira, o plenário do Senado condenou Dilma Rousseff à perda de seu cargo por 61 votos a 20, sob a acusação de ter cometido crime de responsabilidade fiscal. Houve uma segunda votação para decidir se Dilma deveria perder seus direitos políticos, com placar de 42 votos favoráveis e 36 desfavoráveis. Como houve três abstenções e seriam necessários 54 votos a favor, consequentemente ela não perdeu os direitos e ainda poderia se candidatar a cargos públicos. A condenação ocorreu após seis dias de julgamento no Senado, contando-se no total sete votações, desde 11 de abril de 2016, quando a Câmara aprovou o parecer da comissão especial.

O chamado "fatiamento" da condenação, que consistiu em aplicar a pena de perda do cargo, mas afastar a pena de inabilitação para o exercício de função pública, gerou enorme controvérsia no meio político e jurídico, o que levou ao questionamento perante o Supremo Tribunal Federal da decisão do Ministro Ricardo Lewandowski de admitir o requerimento de destaque para votação em separado da segunda parte da pena. Os Secretários-Gerais do Senado Federal, Luiz Fernando Bandeira de Mello, escrivão do processo, e do Supremo Tribunal Federal, Fabiane Duarte, responsáveis por assessorar o Ministro na Presidência das sessões no Senado, deram entrevistas e publicaram artigos buscando defender o posicionamento do Presidente do STF.

Fonte

https://pt.wikipedia.org/wiki/Impeachment_de_Dilma_Rousseff

https://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_econ%C3%B4mica_no_Brasil_desde_2014

https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%A3o_presidencial_no_Brasil_em_2014

https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato

https://pt.wikipedia.org/wiki/Fases_da_Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato

https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Ju%C3%ADzo_Final

https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedalada_fiscal

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