segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O Evento do Curuçá, o Tunguska Brasileiro.

Todos os dias dezenas e dezenas de toneladas, em grande maioria formada de pequenas partículas, tão pequenas, que seu peso e semelhante a um grão de areia, partículas nanométricas caem por dia na atmosfera terrestre.

No entanto, de vez em quando, corpos com dimensões maiores entram na atmosfera. Para um ângulo de queda médio de 45 graus e dimensões menores do que 50 metros, eles são consumidos pela fricção atmosférica, aparecendo no céu como as conhecidas "estrelas cadentes". Se o corpo remanescente consegue chegar no solo (meteorito) ele, em geral, mede só alguns centímetros.

O perigo é representado pelos corpos que medem 50 metros ou mais, para os quais a atmosfera é transparente. Eles chegam no solo ou podem explodir a alguma distância do solo com toda a energia cinética original. As energias envolvidas são muito grandes, da ordem de pequenas a grandes bombas nucleares. Isto é devido não só ao tamanho considerado, mas sobretudo, às grandes velocidades envolvidas, na média da ordem de 20 km por segundo!

Sessenta milhões de anos atrás, um bólido de 9,6 quilômetros (equivalente a 12 vezes a Pedra da Gávea, da cidade do Rio de Janeiro) formou uma cratera de 100 quilômetros de diâmetro e modificou a vida em nosso planeta. Felizmente, estes eventos são raríssimos. No entanto, corpos da ordem de 50 metros podem ser mais freqüentes. Durante nosso recente século vinte, em 1908, a região de Tunguska, na Sibéria, foi alvo de uma onda de choque que destruiu 2000 quilômetros quadrados de floresta. Neste evento, o bólido explodiu na alta atmosfera. Uma energia da ordem de 15 megatons estava envolvida.

Um evento de energia menor, provavelmente da ordem de 5 megatons, aconteceu na manhã de 13 de agosto de 1930 no Vale do Javari, em plena selva amazônica, perto da fronteira com o Peru. Como veremos mais adiante, os estragos foram muito menores porque o bólido ou os bólidos conseguiram tocar o solo abrindo uma cratera da ordem de um quilômetro de diâmetro. Neste caso, quase toda a energia foi utilizada para volatilizar o corpo e produzir a escavação.

O Evento do Curuçá, também referido como o Tunguska brasileiro, foi o evento de impacto ocorrido no estado brasileiro do Amazonas no dia 13 de agosto de 1930, análogo ao Evento de Tunguska, ocorrido na Sibéria em 1908. O evento foi provavelmente uma queda cósmica ocorrida na região do Rio Curuçá, no município de Atalaia do Norte, Amazonas. À época, ribeirinhos e indígenas da região afirmaram ter visto "bolas de fogo" caindo do céu sobre a margem direita do rio Curuçá.

O Evento.

Os corpos responsáveis são, em geral, de dois tipos diferentes. De um lado, os asteróides - corpos rochosos provenientes de perturbações na órbita do grande grupo de asteróides localizados entre Marte e Júpiter e, de outro lado, os cometas ou pedaços de cometas. O corpo central de um cometa é formado por gelo "sujo" (gelo mais poeira) e tem dimensões da ordem de 20 a 40 quilômetros de diâmetro. Se não acabam caindo no Sol, eles, em geral, giram em órbitas muito excêntricas em volta do Sol. Na sua passagem perto do Sol sofrem fortes interações com ele, não somente sendo vaporizados, mas também podendo perder matéria sólida, que fica no rastro da órbita cometária. Já foram observados em cometas recentes pedaços da ordem de 100 metros serem desprendidos do corpo central.

Contrariamente ao caso dos asteroides, podem ser previstos e têm "datas marcadas". Por exemplo, a cada ano, a Terra cruza o caminho deixado por alguns cometas periódicos conhecidos e durante alguns dias se produzem "chuvas de meteoros", como é o caso das Leônidas ou Perseidas. As partículas deixadas pelo cometa em sua viagem entram na atmosfera terrestre em direções que parecem vir das constelações mencionadas. No caso das Perseidas, as datas são de 11 a 13 de agosto. Neste sentido, acreditam que é grande a probabilidade de que o evento do Curuçá do dia 13 de agosto de 1930 seja devido à queda de pedaços (um ao menos) estimados em 50 metros, deixados pelo cometa P/ Swift-Tuttle, responsável pela chuva das Perseidas.

As evidências do evento do Curuçá são várias. O fenômeno ficou esquecido por mais de cinquenta anos, tendo sido "reavivado" após o astrônomo inglês Mark E. Bailey ter encontrado, em 1995, um artigo de cientistas russos citando um trabalho anterior de um conhecido geofísico russo, Leonid Kulik (1883-1942), no qual o autor mencionava que, em 1930, teria acontecido, na floresta amazônica, um evento similar ao registrado na região da bacia do rio Tunguska, na Sibéria. Bailey encontrou essa notícia publicada, em tom sensacionalista, numa edição de 1931 do jornal inglês The Daily Telegraph. Ele decidiu então procurar o artigo fonte, que estaria no Vaticano. Com dois estudantes partiu à procura desse artigo nos arquivos do jornal L'Osservatore Romano. Acabou por encontrar, numa edição de 1931 de L'Osservatore, o relato do monge capuchinho Fedele d'Alviano, que visitara a região apenas cinco dias após o ocorrido.

Na época, frei Fedele entrevistara diversas pessoas da região, que lhe disseram ter ficado muito assustadas com o ocorrido. Segundo Bailey, o evento do rio Curuçá foi uma das quedas cósmicas mais importantes do século XX. Investigando a data do evento, acredita-se que se trate de um meteorito proveniente da chuva de meteoros das Perseidas, que riscam os céus no mês de agosto e cujo pico máximo é a 12 de agosto.

O relato, muito bem feito, é o resultado de uma centena de entrevistas de testemunhas e explica como de manhã, cerca de oito horas, três corpos caíram na floresta, havendo mudança da cor do céu e produção de um tremor local. O documento descreve a chuva de poeira e conta que os estrondos foram escutados a mais de 100 quilômetros, na cidade de Tabatinga.

Inspirado no artigo de Bailey e baseado em imagens dos satélites LANDSAT, o astrofísico brasileiro Ramiro de la Reza conseguiu identificar um astroblema de 1 km de diâmetro, localizado a sudeste da localidade de Argemiro, nas seguintes coordenadas geográficas: 5° 11 S, 71° 38 W. Mais precisamente, Ramiro De La Reza (2014, p. 406) indicam que: "O ponto central do astroblema determinado com base na imagem SPOT é 5º 10’ 53” S e 71º 38’ 27” O."

Junto com H. Lins de Barros, do MAST, Ramiro contatou P.R. Serra do INPE. Graças ao exame de mapas no infravermelho do satélite LANDSAT, Serra mostrou a presença de somente uma estrutura maior, da ordem de um quilômetro de diâmetro, oculta na floresta. Esta estrutura, chamada de astroblema, foi desde o início nosso principal objetivo. Mais tarde, o uso de mapas de radares e fotografias aéreas realizadas por P. Martini, do INPE, deram uma impressão mais completa do astroblema.

Uma outra evidência importante e independente veio se adicionar. O Observatório Sismológico San Calixto, em La Paz (Bolívia) tinha registrado o evento. Assim, souberam a  hora precisa do evento, que coincide com o relato histórico, na época considerado em La Paz como um tremor local. Graças ao trabalho de A. Vega, daquela instituição, ficou evidente que o sinal sísmico tinha todas as características de uma onda de superfície do tipo Lg perfeitamente transmitida através do Escudo Brasileiro, paralelamente aos Andes e através de uma distância de 1.300 quilômetros. E mais, a magnitude e a energia da onda correspondem ao que se espera da conversão de energia cinética de um bólido capaz de produzir uma cratera de um quilômetro de diâmetro!

Mais uma outra evidência: a cratera, de forma quase elíptica, tem seu eixo maior na direção norte, direção das Perseidas, que na latitude do Curuçá corresponde a uma queda de um ângulo baixo, de 20 graus acima do horizonte. Somente ângulos dessa ordem ou menores são capazes de produzir uma cratera não circular. Ângulos maiores que 20 graus produzem sempre crateras circulares.

Foram realizadas outras pesquisas, como a procura de testemunhas. Uma entrevista a um velho seringueiro que a priori parecia ser uma boa testemunha foi filmada pelo programa "Discovery Channel". Infelizmente, ficou evidente de que esta pessoa tinha visto um outro evento de menor energia. A procura dos diários do monge Fedele D'Alviano também foi infrutífera. Nenhum relato em jornais brasileiros da época foi encontrado.

Só faltou a expedição in loco para confirmar a queda. Graças ao programa Fantástico, da Rede Globo, a Televisão ABC da Austrália e, principalmente, com a participação de uma equipe da FUNAI dirigida pelo conhecido sertanista Sydney Possuelo, foi possível a expedição realizada em 1997. A região era inexplorada, perigosa pela presença de duas tribos, a dos "Flecheiros" e dos "Caceteiros". Esta última tinha sido contatada pela primeira vez por Possuelo um ano antes. Na etapa final, viajando vários dias a pé, conseguiram, graças aos modernos GPS, localizar o pretendido lugar de impacto.

A equipe científica era formada por dois geólogos, P. Martini (INPE), A. Brichta (UFBa) e W. de Carvalho, da Sociedade Geográfica de Bahia, e por Ramiro de la Reza. A floresta aparecia intacta, já que a diferença de tempo corresponde ao tempo médio de recuperação. A estrutura do terreno, mesmo com a dificuldade de enxergar longe, não correspondia à drenagem típica da floresta. Encontraram as paredes concêntricas externas e uma outra região acidentada que corresponde à parte central da cratera. Uma série de dificuldades os impediram de visitar toda a região da cratera, que teria, aproximadamente, um quilômetro de diâmetro. Encontraram nestas paredes as únicas "pedras" (no Amazonas não existem pedras, só argila e arenitos). A maioria das pedras encontradas eram pedaços de argila compactada. Posteriores exames de laboratório no Brasil e na Austrália não mostraram a presença de cristalização por impacto. Estas pedras na superfície seriam o resultado de remoção, provavelmente pelo impacto, de camadas internas.

Como conclusão, se não dispor de uma prova absoluta, como a presença de cristais produzidos por impacto, como empactite ou diamantes, ou um excesso de irídio, existe uma série de evidências não contraditórias em seu favor. A própria realização das provas absolutas é também duvidosa. Mesmo considerando as dificuldades do terreno, não encontraram nenhuma evidência de meteoritos. Este fato favorece a hipótese da queda de gelo sujo.

De outro lado, não é evidente a formação de cristais na colisão de gelo com matéria argilosa e arenítica. Isso acontece, geralmente, na colisão de um asteroide duro com terreno rochoso. Fora disso, não se tem evidências de excessos de irídio em material cometário, tal como pode ser o caso na queda de grandes asteroides.

No entanto um grupo mexicano recentemente contestou que a cratera e o registro sísmico estariam relacionados ao evento. Muito provavelmente, o Tunguska Brasileiro, tal como foi chamado por Bailey, foi uma das quedas cósmicas mais importantes do último século.

Fontes.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Tunguska_brasileiro

http://www.comciencia.br/dossies-1-72/reportagens/espaco/espc17.htm (de Ramiro de la Reza.)

http://www.noitesinistra.com/2014/01/evento-do-curuca-o-tunguska-brasileiro.html#.W0Y8FNJKjcc

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